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Artigo Segunda-feira, 04 de Junho de 2018, 00:00 - A | A

04 de Junho de 2018, 00h:00 - A | A

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Alimento e saúde não podem ser reféns das rodovias



João Guilherme Sabino Ometto

A greve dos caminhoneiros escancarou o grave problema inerente ao desenvolvimento da estrutura nacional de transportes. Ao desprezar a construção de ferrovias e hidrovias, em todo o século passado e nas duas primeiras décadas do presente, tornamo-nos reféns do modal rodoviário, algo inconcebível, em especial num país com 8,5 milhões de quilômetros quadrados e 209 milhões de habitantes.
É uma irresponsabilidade histórica sujeitar a sexta maior população do Planeta à insegurança alimentar resultante do desabastecimento provocado pela paralisação de um único setor de atividade. Com a frota de caminhões inerte e obstruindo vias, houve falência instantânea da logística de distribuição de produtos agropecuários e da agroindústria. Colocou-se em alto risco o fornecimento de gêneros de primeira necessidade, além do grande prejuízo relativo à interrupção da produção das fábricas, por falta de matéria-prima, dificuldade de reposição dos estoques de medicamentos no sistema hospitalar, voos suspensos em aeroportos nos quais os combustíveis acabaram, bombas vazias nos postos.
Os caminhoneiros prestam relevantes serviços ao País, que depende deles para movimentar a economia. Por isso, seria importante que fizessem reflexão mais serena sobre sua responsabilidade perante a Nação. Contudo, o maior problema não está no seu protesto e na forma como o externam, mas sim na incapacidade logística de prover as cadeias de suprimento.

O Brasil priorizou no Século XX o modal rodoviário e automotivo. As ferrovias, muito ao contrário do que deveria ocorrer e na contramão do mundo, foram quase extintas. Há muito tempo, não existem sequer trens de passageiros. Tivemos, desde a redemocratização em 1985 e, principalmente após o Plano Real, em 1994, que modernizou a economia, quase 30 anos para corrigir os rumos do desenvolvimento da infraestrutura de transportes. As parcerias público-privadas, alternativa inteligente para investimentos em linhas férreas, hidrovias, portos e aeroportos, mal saíram do papel. Insegurança jurídica, cláusulas pouco atrativas à iniciativa privada e mudança contínua das regras do jogo afugentaram o aporte de capitais.
Para se ter ideia de como o Brasil tem sido incompetente na modernização da infraestrutura, eis um exemplo didático: a complexa construção do Eurotúnel, numa extensão de 50,5 quilômetros sob o mar, demorou apenas oito anos, entre a sanção do decreto franco-britânico autorizando a obra no Canal da Mancha, em 1986, e a sua inauguração, em 1994. Solucionou-se, assim, um grande gargalo logístico. Contraponto: a ligação ferroviária expressa entre o centro da cidade de São Paulo e o Aeroporto Internacional Governador André Franco Montoro, em Cumbica, Guarulhos, foi anunciada em 2002 e, depois, novamente, em 2007 e em 2009. Jamais se construiu. Optou-se, somente em 2011, por um prolongamento da linha da CPTM, inaugurado em 2018...
A deficiência logística prejudica os produtores rurais, inclusive os pequenos e médios, e o agronegócio, ameaça a segurança alimentar e a saúde, barra exportações, limita o crescimento do PIB e causa danos aos setores produtivos e à sociedade. Portanto, dotar o País de ampla e eficaz rede ferroviária e hidroviária é prioridade absoluta do presidente da República, governadores e parlamentares a serem eleitos nas eleições de outubro próximo.
Com vontade política e a oferta de parcerias público-privadas economicamente viáveis, poderemos ter avanço expressivo nos transportes em apenas uma década.

*João Guilherme Sabino Ometto, engenheiro, presidente do Conselho de Administração da São Martinho e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).

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