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Artigo Segunda-feira, 24 de Outubro de 2016, 00:00 - A | A

24 de Outubro de 2016, 00h:00 - A | A

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Esquerda e



*  Cristovam Buarque

 

A esquerda exige certas características:  compaixão com os pobres, os persegui­dos, os excluídos e vítimas de preconceitos; compromisso com o avanço técnico a serviço do povo e da humanidade; sentimento nacio­nal integrado na civilização universal; busca da paz entre povos e dentro de cada povo; mas exige também respeito à verdade dos fatos.

     O filósofo Marx formulou o conceito de que o pensamento de esquerda deveria pas­sar pela percepção da realidade e não por crenças preestabelecidas. Por isso, qualquer analista que ainda lembre algumas das bases da filosofia e, especialmente, da epistemologia formulada por Marx fica surpreso com a infantilidade com que alguns militantes se dizem de esquerda, mas tomam posições sem considerar os fatos reais.

 Preferem falar com base em narrativas criadas, consciente­mente ou por marqueteiros, para conspur­car o ambiente intelectual, sem compromis­so com a verdade. Perdem com isso até mes­mo o argumento correto que possam ter, e terminam atropelados pela verdade.

     Considerar o presidente Michel Temer como político de direita é uma opinião; logo, pode ser aceita. Mas precisam dizer que  Dilma, Lula e toda a esquerda votaram nele, mas hoje o criticam, não leram sua história ou enganaram os eleitores.

Dizer que Temer deu golpe antidemocrático não corresponde à verdade. Todos os indicadores democráticos estão sólidos, inclusive a eleição ocorrida no dia 2 de outu­bro e que levou a uma fragorosa derrota da esquerda ao redor do PT.

Ao usar a mentira do golpe para o impeachment de 2016, a es­querda termina legitimando o golpe de 1964 e todas as suas consequências: ao fazer isso, deixa de ser esquerda e vira “exquerda”.

    Ao longo de décadas, a esquerda fugiu ao debate ideológico de optar por quais as prioridades  para o uso dos recursos públicos.

Apoiar mais gastos para educação, saúde, sa­lário mínimo, saneamento; e, ao mesmo tempo, garantir salários de marajás, subsídi­os à indústria, deixando o país sem os servi­ços públicos de qualidade e as finanças pú­blicas falidas, ou continuar com a velha mentira da inflação: o governo dispõe de quatro, mas gasta cinco, desvalorizando a moeda e gerando inflação. É uma conta que corrompe a aritmética e ilude a sociedade.

    A reação à PEC do Teto de Gastos, que é uma PEC do óbvio — não se pode gastar mais do que se arrecada quando há mais para endividar-se —, também é uma recusa de ver a verdade da própria aritmética; uma visão,  portanto, direitista ou “esquerdista”.

 É usar argumentos falsos que não combinam com a postura comprometida com a verdade, que deve caracterizar a esquerda. Negar a neces­sidade de definir um teto para os gastos é op­tar pela mentira de que os recursos públicos são ilimitados. Agora será preciso optar por prioridades. Também é falsa a ideia de que haverá redução nos gastos com educação.

    O teto se impõe sobre o conjunto, sendo possível elevar a verba da educação, desde que tenhamos força política para indicar de onde tirar recursos.

 E, se não tivermos, melhor não nos enganarmos aumentando salário de pro­fessor com dinheiro falso, da inflação. Pela pri­meira vez, vamos identificar os defensores da educação, capazes de lutar pela redução de custos em outros setores, eliminando desperdícios e gastos que não são prioritários.

    Da mesma forma, é surpreendente a falta de compromisso com a verdade ao denunci­arem a proposta de autorização à Petrobras para não investir na exploração de todos os poços de petróleo do pré-sal. Ao obrigar a Petrobras, sem condi­ções financeiras, a lei atual leva o Brasil a não explorar o petróleo: perder receita, royalties para a educação e impostos, além de im­pedir a criação de empregos.

Com a nova regra, quando a Petrobras avaliar que não é do seu interesse atuar sozinha, ela não será obrigada, e poderá explorar o petróleo em sociedade com outras empresas brasileiras ou estrangeiras, retornando emprego em ci­dades, gerando renda, arrecadação de impostos e royalties para fi­nanciar a educação.

    É lamentável que parte da esquerda, por preconceito e corpo­rativismo, caia na cegueira de preconceitos que a impedem de ver o que é melhor para o Brasil e para o povo. E ainda se considera de esquerda, embora presa a mitos e reacionarismos. Para ser de es­querda, é preciso ter utopia para o futuro, é preciso ver a realida­de do presente como ela é. E quem não tem utopia e nem capacidade de ver a realidade não é de esquerda, é de “exquerda”.

 

*   Cristovam Buarque é professor emérito da UnB e senador (PPS-DF).

 

 

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