O homem, como um ser dotado de racionalidade por excelência, utilizou e utiliza a sua capacidade de instrumentalização das coisas para se servir de tudo aquilo que está ao seu alcance para impor seu domínio, e nisto, obviamente, incluem-se elementos da natureza, abarcando-se os animais.
Quando se diz ser o homem um ser dotado de racionalidade por excelência, está-se a dizer que, dentre os demais animais, tem uma capacidade cognitiva singular, mas, hodiernamente, como apontam diversos estudos, não pode-se mais afirmar que o ser humano é o único animal dotado de racionalidade, pois, muitos animais a detêm, mesmo que em menor grau.
Segundo o biólogo Marc Bekoff, da Universidade do Colorado, nos EUA, cachorros podem ser tão racionais que fazem planos para o futuro e elefantes ficam de luto quando morre um amigo ou parente. Um estudo recente da Universidade de Goethe, na Alemanha, revela que os corvos são capazes de se reconhecer no espelho.
Golfinhos e macacos, por exemplo, raciocinam quando se veem diante de novos desafios e decidem se precisam rever as estratégias para enfrentá-los.
Sob um enfoque religioso, os animais, por seu Criador, Deus, sempre foram tidos como seres relevantes. Lembremos o mandamento de Deus dado a Noé para que fizesse entrar na arca um casal de cada um dos seres vivos, macho e fêmea, para conservá-los vivos.
Madre Teresa de Calcutá, laureada com o Prêmio Nobel da Paz em 1979, com uma vida devotada aos pobres e doentes de que religião fosse, nos deixou a seguinte mensagem: “Os animais foram criados pela mesma mão caridosa de Deus que nos criou. É nosso dever protegê-los e promover o seu bem-estar”.
Convém observar também que os animais, assim como nós, são considerados sencientes, sendo esta a capacidade de sentir e vivenciar sentimentos como dor, angústia, solidão, amor, alegria, raiva, etc.
Faz-se estas breves considerações iniciais para se demonstrar que a crueldade contra animais não possui justificativa sob nenhuma perspectiva, seja ela filosófica, científica ou religiosa.
Partindo-se destas bases valorativas provenientes da ciência, religião e outras fontes, é que, internacionalmente, elaborou-se a Declaração Universal dos Direitos dos Animais – Unesco – ONU (Bruxelas – Bélgica, 27 de janeiro de 1978). Esta norma cuida-se de um tratado de direito internacional à qual o Brasil é signatário. Isto quer dizer que as disposições desta Declaração possuem incidência em nosso país, sendo de observância e cumprimento obrigatórios por todos os cidadãos brasileiros. Vejamos dois trechos desta Declaração:
Art. 2º. [...] c) Cada animal tem o direito à consideração, à cura e à proteção do homem.
Art. 6º. [...] O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.
A atual Constituição Federal de nosso País, sendo a primeira Lei Maior a sistematizar a questão do meio ambiente, trouxe importantíssima proteção jurídica aos animais quando estabelece no inciso VII, § 1º, do artigo 225, ser incumbência do Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.
Impende-se salientar que o inciso VII é trazido como uma incumbência do Poder Público, mas o caput do artigo 225 preceitua como dever do Poder Público e da COLETIVIDADE a defesa do meio ambiente.
A fauna a que a Constituição Federal menciona está num sentido lato, ou seja, alberga tanto a fauna silvestre, a fauna exótica e a fauna doméstica, estando nesta última os cães e gatos possuidores de tutores e os que foram abandonados nos logradouros públicos à própria sorte.
De todo modo, de nada adiantaria nossa Carta Magna trazer um mandado de criminalização implícito se o legislador infraconstitucional não editasse uma norma que tornasse crime a prática de abuso e maus-tratos de animais. Consoante a Constituição Federal, a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 – Lei de Crimes Ambientais prescreve no seu artigo 32 a seguinte conduta delituosa:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Verificamos que há proteção normativa no plano internacional concernente aos animais, e, no plano interno, há guarida constitucional e legislativa com o escopo de defender os animais de atos insanos do ser antrópico.
Mesmo assim, não se pode dizer que estamos numa condição ideal pelo simples fato de haver normas criminalizadoras dos atos cruéis contra os animais.
Há que se ter em mente que um cenário perfeito de proteção à fauna, e aqui nos restringimos à fauna doméstica, objeto deste trabalho, deve vir coligado de leis de proteção com sua aplicabilidade massiva e amplo reconhecimento da sociedade a que é dirigida como mandamento importante e de observância cogente, isto é, obrigatório, não havendo margem para facultatividade.
Os argumentos até agora discorridos podem inculcar no leitor que o intuito deste singelo artigo é o de supervalorar os animais em detrimento do homem, colocando os seres não humanos num plano elevado sobre o qual não deveriam estar. Mas, temos algo a mais a pontuar a quem se perfilhar por esta trilha de entendimento.
O que se vê país afora, é que, em quase todos os domicílios precários há cães e gatos, revelando uma cultura em que se considera estes animais como COISAS que se pode ter não importando a condição econômica dos seus erradamente chamados de donos.
Verifica-se que há uma COISIFICAÇÃO ou OBJETIZAÇÃO destes animais, sendo uma conduta e prática irracional por nós seres humanos que nos consideramos superiores quanto às habilidades cognitivas, habilidades estas que nem sempre são empregadas para se fazer o bem.
Portanto, o que se pretende ressaltar é que coisas devem ser tratadas como coisas, sendo objetos desprovidos de sentimentos e necessidades orgânicas. Animais são seres que não se comparam a coisas, devendo ser tratados como tais, não se justificando sob hipótese alguma atos cruéis e abusos contra os mesmos. Seres humanos são seres humanos, sendo os maiores usufruidores do que o meio ambiente tem a disposição devido à exploração feita por estes, mas isto também implica em responsabilidades exponencialmente maiores.
A posse responsável de um animal doméstico requer a limpeza dos dejetos do animal, evitar procriação inconsequente, levar o animal regularmente ao médico veterinário, manter o animal dentro de espaço doméstico, fornecer boas condições ambientais (espaço adequado, higiene, cuidados para evitar a superpopulação), vacinar regularmente o animal, proporcionar atividades físicas e momentos de interação do animal com as pessoas.
Para a escolha do animal de estimação, deve-se observar o espaço disponível, o objetivo da criação, o custo de manutenção do animal, cuidados específicos da espécie e raça, o tempo disponível do proprietário, as pessoas que irão conviver com o animal e o tempo médio de vida da espécie animal a ser criada.
REALIDADE EM ALTA FLORESTA
A cidade de Alta Floresta possui uma população considerável de animais abandonados perambulando pelos logradouros públicos. Tais animais se encontram nesta situação porque seus ex-tutores os deixaram à própria sorte. Estas práticas, além de serem sobremaneira reprováveis do ponto de vista moral e ético, trata-se de crime previsto na Lei de Crimes Ambientais, artigo 32.
Acontece que, infelizmente, os sujeitos criminosos que abandonam animais quase nunca são responsabilizados criminalmente por estas práticas. Desta maneira, um indivíduo irresponsável que abandona animais nos logradouros públicos ou em locais distantes do núcleo urbano e que passa impunemente, simplesmente em outra ocasião que lhe convier tomará a posse de outro animal doméstico que poderá estar sujeito à mesma destinação dos anteriores. Resumindo, impunidade faz com que se perpetue a prática cruel e criminosa de se abandonar animais sorrateiramente.
A responsabilidade sobre o bem-estar de cães e gatos e outros animais em que se é permitida a domesticação recai sobre seus tutores, sobre a coletividade e sobre o Poder Público.
A coletividade tem o dever de fiscalizar as ações do Poder Público e de espreitar se há animais sendo vitimados por maus-tratos, acionando-se a autoridade competente a fim de que providências sejam empreendidas.
No que se refere às ações do Poder Público em nossa cidade, constata-se que há uma completa ausência de políticas públicas voltada à mitigação da prática de abandono de animais e de retirada destes da condição de desamparo em que se encontram.
Animais soltos pela cidade passam uma imagem de descaso aos que a visita, provocam acidentes no trânsito, podem ocasionar ferimentos nos transeuntes, mormente os mais vulneráveis como crianças e idosos, são acometidos de doenças que se transmitem a outros animais e até às pessoas, procriam-se de forma descontrolada, entre outros dissabores que fazem passar os citadinos desta urbe bem como as próprias agruras a que estes seres desamparados são submetidos.
No que tange à legislação municipal que no plano abstrato dão guarida aos animais domésticos, temos as seguintes leis abaixo mencionadas:
- Lei nº 167/1987 – Institui o Código Municipal de Saúde e dá outras providências.
Art. 22. Fica instituída a captura de animais vadios de acordo com o disposto em regulamento.
- Lei nº 730/1997 – Dispõe sobre a criação, guarda e recolhimento de animais domésticos.
Art. 2º. É proibido manter animais nas vias públicas, exceto os domésticos e de pequeno porte, quando conduzidos por seus donos.
Parágrafo único. Todo animal abandonado e que perambula pelas ruas e logradouros públicos, desacompanhado de seu dono, será recolhido e conduzido a um local apropriado e isolado, a ser definido pela administração.
- Lei nº 1.231/2003 – Dispõe sobre a promoção, proteção e preservação da saúde individual e coletiva no município de Alta Floresta.
Art. 42. É proibida a permanência de animais soltos nas vias públicas da área urbana.
[...]
Art. 45. Visando ao controle de zoonoses, o proprietário de animal doméstico é obrigado a:
[...]
IV – Encaminhá-lo à autoridade sanitária competente (Centro de Zoonoses) no caso de impossibilidade de manutenção do animal sob sua guarda;
[...]
§ 2º. Caberá ao proprietário, no caso de morte do animal, a disposição adequada do cadáver ou seu encaminhamento ao serviço sanitário competente.
Pela leitura dos dispositivos de leis do município de Alta Floresta acima mencionados, vê-se que são dotados de inefetividade por não haver uma aplicação prática por parte do ente municipal. Somos por demais sabedores que não há em nossa cidade um Centro de Zoonoses a que se faz menção em lei e nem sequer um canil municipal como local adequado para destinação de animais abandonados e animais que necessitem ser apreendidos em razão de maus-tratos.
GRUPO AMAMOS ANIMAIS
O grupo Amamos Animais trata-se de uma coletividade de pessoas engajada numa causa social atinente à fauna doméstica do município de Alta Floresta, tendo sido criado de maneira não institucionalizada em abril do ano de 2016.
O grupo, na medida do possível, faz resgates de cães e gatos que se encontram abandonados, muitos deles com doenças graves, providenciam o tratamento destes animais na maioria das vezes com recursos dos próprios voluntários e os colocam para adoção que preencha os requisitos de uma posse responsável.
Fazemos também trabalho de averiguações de denúncias de casos de maus-tratos que chegam ao conhecimento de integrantes do grupo. Há casos em que uma orientação é suficiente para se resolver as irregularidades.
Em situações mais complexas e/ou em que há resistência de adequação ou mesmo impedimento ou não recebimento dos voluntários para se averiguar in loco a situação, recorre-se às autoridades como Polícia Judiciária Civil, Polícia Militar e Vigilância Sanitária a fim de se empreender ações mais enérgicas com o desiderato de se fazer cessar a ocorrência de maus-tratos.
Por oportuno, entendemos importante elencar os principais objetivos colimados pelo grupo Amamos Animais, como abaixo se vê:
- Conscientização da sociedade alta-florestense acerca da prática cruel e criminosa de maus-tratos a animais, considerando-se que há muitíssimos casos01 e que se impõe a erradicação destas práticas.
- Buscar junto aos órgãos competentes a responsabilização de maus-tratadores de animais nos casos extremados e em que se ignore o trabalho orientativo e conscientizador de integrantes de nosso grupo.
- Redução do abandono de animais em nossa cidade, uma vez que o crescente aumento de animais nas ruas traz uma série de problemas aos seus citadinos, abandonos estes perpetrados por pessoas insensíveis e muitas vezes ignorantes de que estão cometendo crime conforme Lei de Crimes Ambientais.
- Retirada de animais das ruas, tratamento veterinário de suas enfermidades que se contraem inevitavelmente em decorrência dos maus-tratos a que estão submetidos nas ruas e ulterior colocação para adoção.
- Implementação de políticas públicas de retirada de animais de ruas e de castração, políticas estas absolutamente inexistentes nesta cidade.
- Em um sentido lato, acreditamos que uma cultura de bom trato com os animais traz efeitos benéficos que se espraiam ao relacionamento inter-humanos, fazendo com que nós enquanto sociedade possamos ter mais atenção e consideração mormente às crianças, idosos e pessoas em situação de carência nas suas mais diversas matizes.
Atualmente, o grupo Amamos Animais está envidando esforços na sua formalização com o escopo de que suas ações sejam mais viáveis, principalmente do ponto de vista econômico, uma vez que procedimentos cirúrgicos e tratamento de animais como cães e gatos são bem dispendiosos e necessitamos de apoio neste sentido.
Há alguns projetos que estão sendo trabalhados com o fito de viabilizar o trabalho do grupo e algumas parcerias já estão em andamento.
Por derradeiro, o grupo Amamos Animais traz as seguintes orientações:
1) Reflita sobre as responsabilidades ao se ter animal. Ser tutor de um animal demanda cuidados que não estão ao alcance e condição de qualquer pessoa.
2) Sob hipótese alguma abandone animal doméstico em que lugar que seja, pois isto é um ato cruel e criminoso.
3) Mantenha os cuidados veterinários de seu animal de estimação em dia como vacinações e outras idas que se fizerem necessárias. Animais velhos demanda mais atenção com sua saúde.
4) Faça o controle de natalidade dos animais que possua por meio de castração somente feita por médico veterinário. É totalmente inconcebível desamparar ninhadas de filhotes de cachorros ou gatos como comumente ocorre em nossa cidade.
5) Ao flagrar abandono ou testemunhar casos de abuso e maus-tratos de animais, denuncie. Procure obter provas como imagens, vídeos, documentos, etc.
6) Se tiver afeição pela causa e disponibilidade, ajude um animal abandonado. Afinal, apenas ter dó não livrará o cão ou gato da situação de sofrimento em que se encontrar.
Como dito por Arthur Schopenhauer, “a compaixão pelos animais está intimamente ligada à bondade de caráter... Quem é cruel com os animais não pode ser um bom homem”.
01 Nós do Grupo Amamos Animais nos deparamos com casos horrendos de maus-tratos a animais, citando-se como exemplo: cachorros amarrados permanentemente em correntes e sem um abrigo adequado; pessoas que tem um quintal aberto e ainda possuem animais para deixá-los amarrados constantemente; ninhada de cachorros soltas no lixão da cidade; ninhada de gatos abandonados em estradas rurais; cachorra doente encontrada ainda enrolada num plástico em céu aberto perto do lixão seco da cidade; animais infestados por pulgas e sarna nas ruas; animais com cinomose, erliquiose, tosse canis, tumor venéreo transmissível e outras doenças tanto em residências como em animais abandonados nas ruas; animais trancados dentro de casa sem comida e água por dias e os moradores fora da casa; cachorra no Jardim Operário que apanhava constantemente e que morreu enforcada; cachorra com um buraco na cabeça com miíase (bicheira) e que tinha dona, morreu posteriormente mesmo com intervenção veterinária por meio do grupo, bairro Boa Esperança; moradores que vão embora e abandonam o cachorro em vários bairros da cidade; cachorrinha que morreu em razão de quem a tinha ter jogado água quente na mesma; animais vitimados por abuso sexual, etc., etc., etc., entre muitos e muitos outros casos que nem sequer são conhecidos.
Luiz Fabio da Silva e Eliane Maria Almeida Teles Hammoud - Integrantes do Grupo “Amamos Animais”.