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Artigo Quarta-feira, 02 de Julho de 2025, 08:52 - A | A

02 de Julho de 2025, 08h:52 - A | A

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Por que rimos das minorias?

Por que rir das minorias quando podemos rir das estruturas que as mantêm em minoria?



Recentemente, foi noticiado que, mesmo após ser condenado judicialmente, o humorista Léo Lins continua fazendo piadas sobre minorias. Seu novo show, Enterrado vivo, apresentado em São Paulo, tem lotado o teatro, com mais de 700 pessoas por sessão. Mas por que fazer piadas — e rir — das minorias soa tão natural, ou até prazeroso, para algumas pessoas?

A situação ganhou destaque após sua condenação a mais de oito anos de prisão, em regime inicialmente fechado, por incitar preconceito e discriminação em um show gravado em 2022. As falas, registradas em vídeo e publicadas no YouTube, só foram suspensas em 2023, após alcançar mais de 3 milhões de visualizações.

Além da pena de prisão, a juíza Bárbara de Lima Iseppi determinou multa equivalente a 1.170 salários mínimos e indenização superior a R$ 300 mil por danos morais coletivos. O caso gerou debates sobre os limites da liberdade de expressão no humor.

A defesa de Léo Lins sustenta que a condenação representa um ataque à liberdade artística e compara a pena à aplicada em crimes como tráfico e homicídio. O conceito de racismo recreativo, por exemplo, descreve práticas em que o humor perpetua estereótipos contra grupos minoritários, disfarçando a opressão sob a forma de piadas.

O caso evidencia a complexa interseção entre liberdade de expressão e responsabilidade social. E nos leva a perguntas necessárias: por que fazer piada com quem historicamente carrega o peso da exclusão, da invisibilidade e da violência? Quem está rindo, de quem se ri e com que consequências?

Há uma herança cultural do riso à custa do outro. Durante séculos, piadas foram construídas em cima de estereótipos — da "loira burra" ao "negro malandro", da "pobreza engraçada" à pessoa com deficiência ridicularizada. Isso moldou uma cultura em que se considera normal rir de quem está em posição de desvantagem.

Também persiste a falsa ideia de que "é só uma piada". Muitos argumentam que o humor não tem intenção de ofender, mas a ausência de intenção não elimina o impacto. Piadas têm força simbólica: naturalizam desigualdades, desumanizam, silenciam.

Há ainda o poder e o privilégio de quem ocupa posição superior. Essas pessoas costumam ter dificuldade de perceber o quanto o riso pode ferir quem já sofre opressões. O humor que se nutre da humilhação de grupos marginalizados é, no fundo, um exercício de poder.

Mas e a liberdade de expressão? Ela é um direito fundamental, mas não absoluto. Encontra limites quando viola outros direitos igualmente fundamentais, como a dignidade humana. O humor que perpetua racismo, capacitismo, misoginia ou homofobia não é apenas "politicamente incorreto": pode ser violento e doloroso.

Não se trata de censura, mas de ética e responsabilidade. De reconhecer que o riso tem direção: pode vir de baixo para cima, desafiando o poder, ou de cima para baixo, reforçando a exclusão dos que já vivem em vulnerabilidade.

Rir das minorias não é inocente. Muitas vezes, é a continuação da opressão por outros meios. Quando a piada reforça o estereótipo da pessoa negra como violenta, da mulher como objeto, da pessoa com deficiência como incapaz, do pobre como piada pronta, ela não diverte: ela perpetua.

Essa reflexão nos leva a outra pergunta: e se o humor mirasse o poder, e não a fragilidade? O humor crítico, que satiriza estruturas injustas, pode ser provocativo, ousado e transformador — sem ser opressor. Pelo contrário, pode expor os mecanismos que alimentam as desigualdades.

Por que rir das minorias quando podemos rir das estruturas que as mantêm em minoria? Por que rir da dor alheia quando há tanto absurdo no privilégio, na corrupção e na hipocrisia dos que decidem?

Rir pode ser libertador — desde que não seja à custa da dignidade do outro.

Silvano Aparecido Redon - Professor de sociologia do Instituto Federal do Paraná (IFPR)

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