Ontem estive numa comunidade rural avizinhada com o perímetro urbano do município. Nem bem desci do carro e um garotinho, com uma barriga enorme, veio correndo ao meu encontro vangloriando-se de suas proezas, dentre elas a de comer terra, a que me chamou mais a atenção.
– Tio, eu sou o grande campeão! De mim ninguém ganha. Bora lá bater uma aposta.
Eu não estava ali para esse fim, no entanto sentia meu dever em não decepcionar o pequeno e resolvi participar de seu jogo.
- Pois bem, eu topo. Mas quem será o seu desafiante, já que eu nessa minha idade toda ainda não aprendi essa arte, a arte de comer terra.
Perguntei por perguntar. Para lhe dar um apoio de faixada, uma vez que aquela sandice toda era por mim extremamente reprovável e eu me recusava em acreditar que surgisse um concorrente naquela modalidade absurda de jogo. Uma disputa nada plausível para a Saúde Publica Brasileira.
– Eu como mais do que ele – retrucou o irmão mais velho que surgiu de imediato como num combinado para registrar o direito de propriedade na escritura da pobreza extrema, vezes ignorada por políticos que pregam em suas cartilhas periódicas (período eleitoral) total envolvimento com a causa que acaba esquecida no pós-pleito.
Voltando aos dois irmãos unidos pelos vermes e preparados para o ringue do estômago, o mais novo em idade e, por isso também mais novo no ofício, regulando cinco ou seis anos era o mais alegre, perdia apenas na disputa e na barriga. O mais velho, entre sete ou oito, ganhava nos dois quesitos e ainda apresentava umas manchas branquicentas nos braços, pernas e na face, revelando a ausência total de um agente de saúde pública que pudesse modificar a pintura daquele quadro.
Lembrei-me da história, lida em algum lugar e cujo autor não me vem à memória, de um médico que ao diagnosticar uma criança “com vermes”, ouviu da mãe: - que nada doutor, esse moleque está assim por que come terra.
Mal sabia ela que aquela estúpida vontade (de comer terra) era aguçada exatamente pelos vermes. Vermes muitas vezes adquiridos por outras vontades, como exemplo a de comer outras coisas, saudáveis e gostosas e, como uma grande maioria de nosso povo brasileiro, não ter condições para isso, apesar de estatísticas pregarem o contrário.
Aqueles dois irmãos, certamente, não fazem parte delas.