Navegando tranquilamente as dezenas metros da travessia da balsa da 3º Leste, Naldo e Claudinei, também conhecido como “Chiquinho” pilotam e observam a imensidão de água do Telão, como é conhecido o Rio Teles Pires. Atracando na outra margem, os balseiros que estão há mais de um ano neste trabalho declaram: “Ano passado (2014), em dezembro, a balsa estava parando lá no último morro”, e aponta para frente mostrando o morro descoberto. Chiquinho relata que, pelas informações que teve, em 2013 a cheia fez que a balsa atracasse ainda mais longe, além deste morro que agora está descoberto e lamenta que, estando em março, o rio ainda esteja tão baixo.
Os balseiros são enfáticos na análise sobre a situação do Teles Pires, considerando que estão todos os dias no rio, navegando, conversando com os pescadores e visitantes e sendo sustentados pelo Teles Pires: “...não tem água e não tem peixe”, descrevendo o que tem visto e ouvido dos pescadores que passam por ali. A situação se repete na balsa que corta o rio pela 4ª Leste. Moacir, que cuida do lugar, salienta: “...já era para ter mais uns quatro ou cinco metros de água. Já devia ter coberto a cerca e estar perto do assoalho da casa”. Ambos reconhecem a modificação no regime de chuvas e demonstram profunda preocupação com o cenário quando começar o período de estiagem.
O produtor rural Vilson Witmann, morador do Setor Sul, na comunidade Santa Luzia, faz o controle amostral do índice de pluviométricos. Ele anota cerca de 10 a 15 dias de cada mês a quantidade de chuva e usa os dados para suas atividades de plantio. Para o mês de fevereiro, os dados fornecidos pelo produtor evidenciam que em 2015 a média foi de 31mm e a média para 2016 foi de 23mm, com amostragem de 10 dias. O produtor salienta: “Estamos precisando de chuva. A colheita depende de que chova. A maioria dos rios ainda está muito baixo. Esse ano a seca vai ser forte!”
Além da questão do baixo índice de chuvas, Chiquinho registra como desafio para garantia de futuro do Rio Teles Pires, a gestão da pesca e medidas de controle mais rígidas e frequentes. Ele dispara: “Para mim, tem que fechar esse rio cinco anos. Não tirar mais nada daqui. Deixar ele quieto”. A fala do balseiro se justifica no fato de que é grande a quantidade de peixes que sai do rio, mas a reposição não acompanha a exploração: “Vem um pescador e diz que pegou 15 corvinas, depois vem outro e diz que pegou 25... e assim vai”. Naldo pontua: “...eles (os pescadores) podiam trazer alevinos quando vem para o rio. Trazer 10 ‘pintadinhos’ não custa nada. Ai ajuda o rio.”
A questão da pesca ainda traz um desafio maior referente a captura de espécimes em tamanhos inadequados. Os balseiros relatam situações de peixes coletados abaixo da medida estabelecida por lei e cita que esse fator, atrelado a diminuição de peixes oriunda da instalação da usina e da falta de corredor para retorno dos peixes podem levar à uma situação de escassez dos peixes no Teles Pires. Acerca dessa questão, o chefe da SEMA local, Vinicius Rezek, esclarece que “falta consciência à população” e salienta que nas atividades de fiscalização das duas última semana foram apreendidos cerca de 5 mil metros de materiais de pesca (espinheis, anzóis, linhadas e outros).
Quanto ao problema do lixo, segundo os balseiros, não é preocupante. Segundo eles, as pessoas têm costume de embalar o lixo e levar embora, além disso, uma vez por ano é feita a limpeza geral da área, “através da iniciativa do Bisteca”, salienta ele. Contudo, existe outro problema apresentado por eles, são as flutuantes distribuídas ao longo do curso do rio. Segundo eles, os dejetos das mesmas são lançados no leito do rio sem nenhum tratamento, tanto os dejetos das cozinhas quanto dos sanitários. Nesse contexto, Rezek esclarece que o correto é que os dejetos sejam destinados para áreas fora do leito do rio, geralmente em fossas sépticas. Tal orientação é observada no licenciamento das flutuantes, regida pelo decreto estadual 1210/2012, finaliza.
Delineando esse perfil, a analista ambiental e chefe local do IBAMA, Jocelita Giodarni indicou mais alguns problemas que o rio vem sofrendo no decorrer dos anos: “Proporcionalmente à sua importância, estão os impactos que a bacia do Rio Teles Pires vem sofrendo ao longo das últimas décadas. A pesca predatória, a contaminação por mercúrio e cianeto, metais pesados utilizados na atividade garimpeira, o desmatamento da mata ciliar e das nascentes dos seus tributários, causando assoreamento e morte de muitos córregos; o carreamento de agrotóxicos para o leito dos rios, principalmente na região produtora de grãos, no médio Teles Pires, e o complexo de Usinas Hidrelétricas, com mudanças na dinâmica da água e habitat da ictiofauna; a captação de água para irrigação, são questões que precisam ser debatidas, monitoradas, sob pena de colocarmos em risco o futuro deste rio e das populações que dele dependem”.
No contexto das questões referentes à degradação dos tributários do Rio Teles Pires, durante a produção desta reportagem, foram observados aproximadamente 25 rios, riachos, áreas alagadas e lagos que cortam ou alinham-se a Terceira e Quarta Leste, que dão acesso as balsas supracitadas. No processo de observação ficou evidente que 80% deles sofrem como a ação antrópica, corroborando com a preocupação apresentada pela chefe do IBAMA. Os problemas comuns à maioria deles são o assoreamento, a falta de mata ciliar, a presença de bovinos e outras criações pisoteando os leitos, recepção das águas pluvial e elementos que a compõem, invasão de gramíneas aos leitos dos rios e deposição de lixo.
O cenário descrito acima mostra a fragilidade da questão da água e a gestão da mesma no município e região, especialmente considerando que o Rio Teles Pires que essencial para região tantos no aspecto ecológico, quanto econômico e social. Jocelita reforça a importância do rio e destaca: “O Teles Pires possui grande importância ecológica, como habitat de uma diversa e abundante ictiofauna e de outros animais e vegetais que vivem no seu leito e entorno, como também, importância social, cultural e econômica. O Rio Teles Pires já foi e ainda é, o único meio de integração entre os povos do baixo Teles Pires e o restante do país. Neste local, até hoje vivem famílias extrativistas, descentes de soldados da borracha, cuja estrada é o rio. O Rio Teles Pires, além de fonte de alimento, possui importância cultural aos povos que, historicamente, habitam suas margens, como as etnias Kayabi e Munduruku cujas terras estão na margem direita na região do baixo Teles Pires. Ao longo de seu leito, o rio também acolhe pescadores profissionais, garimpeiros, que buscam ali seu sustento. É também uma fonte de lazer para a população do entorno, tanto para o contato com a natureza como para atividade de pesca amadora. Mais recentemente, o Rio Teles Pires tem surgido no cenário nacional, como importante fonte energética para suprir as necessidades do pais.”
Relembrando o sábio Guimarães Rosa, no livro Grande Sertões Veredas, que diz: “Perto de muita água, tudo é feliz!”, o Dia Internacional da Água, torna-se uma ocasião extremamente pertinente para se pensar e definir atitudes e projetos comprometidos com nossos recursos hídricos, a começar pelo Rio Teles Pires, símbolo da grandeza da Amazônia e do povo altaflorestense, cuja importância precisa ser reconhecida e valorizada antes que o processo não possa mais ser revertido.
Um pouco mais sobre o Teles Pires:
O nome do Rio Teles Pires, também conhecido como São Manoel ou Telão, remonta ao início da história do Mato Grosso e é uma homenagem ao capitão do exército Antônio Lourenço Teles Pires que realizava uma expedição no mesmo em 1890. Na ocasião, mais especificamente em dois de maio, a embarcação onde estava o Capitão afundou, matando-o por afogamento e posteriormente, tornando seu nome, o nome do rio. A nascente do rio está localizada no município de Paranatinga-MT, entre as áreas do Planalto Central e o Planalto dos Guimarães e está localizado na Bacia Amazônica que ocupa uma área de quatro milhões de quilômetros quadrados e apresenta como principal curso de água o rio Teles Pires. É caracterizado por Tassinari como um rio de águas claras e calmas, embora em certos pontos acidentado por cachoeiras e, entre elas, ilhas e depósitos de várzeas. O perímetro da Bacia do Teles Pires é de cerca de 2.820 Km, com comprimento do rio principal de 1.380 km, compreendendo uma área total de 145.600 Km², conforme descreve Viera. A área de abrangência da bacia compreende 33 municípios de Mato Grosso e dois do estado do Pará e contempla dois grandes biomas: Amazônico e Cerrado e também áreas de transição. Além disso, juntamente com o rio Juruena, formam o Tapajós.