GERALDO BESSA
TV PRESS
Marcelo Médici chega nos estúdios de "Haja Coração" e sente como se estivesse se preparando para pisar no palco ao lado de uma trupe de comediantes. Nos corredores, encontra seus parceiros de cena e faz piada com Tatá Werneck, coloca o papo em dia com Grace Gianoukas e acerta os últimos detalhes do texto e de possíveis improvisações com Cláudia Jimenez. Quando o diretor grita "Gravando!", ele coloca para fora toda sua experiência cômica a serviço dos exageros, tiques nervosos e língua presa do atrapalhado e ambicioso Agilson, membro da poderosa e afetada família Abdalla. "Sempre que entro no estúdio penso: 'isso sim é um núcleo cômico'. Já conhecia grande parte das pessoas há muitos anos. Isso facilita muito na hora de trabalhar um texto que exige muito 'timing' de humor", explica, entre risos e com a empolgação estampada no semblante.
Paulistano formado em Artes Cênicas pelo prestigiado Centro de Pesquisa Teatral, de Antunes Filho, Marcelo sempre se destacou por sua forte verve cômica. Foi justamente por conta da repercussão de seus espetáculos de humor que ele chamou a atenção dos diretores e autores de tevê. Após participar de programas como "A Praça é Nossa", do SBT, e "A Diarista", da Globo, ele caiu nas graças de Silvio de Abreu, que o escalou para tramas como "Belíssima" e "Passione". Disposto a investir na tevê, Médici criou outras conexões dentro da Globo. E a partir daí, experimentou trabalhar em minisséries dramáticas, como "O Canto da Sereia", até tramas de época como "Joia Rara". "Estou na tevê não apenas por gosto, mas porque acho que é necessário aprender e arriscar. 'Haja Coração' é comédia, mas o personagem também tem suas surpresas e complexidades. Ainda estou tentando encontrar o ponto certo. Esse é o grande barato de estar no vídeo, você pode ir ajustando, se encontrando e crescendo em cena", analisa o ator de 44 anos.
P - Seu trabalho no universo das novelas tem forte apelo cômico e "Haja Coração" é um resgate do humor exagerado no horário das sete. É o tipo de dramaturgia que o agrada?
R - Se não me escalassem, acho que pediria para participar (risos). É muito louco estar em uma novela que eu já assisti. Embora não seja um "remake" literal de "Sassaricando", "Haja Coração" carrega alguns personagens fundamentais da obra original e são eles que dão o tom dessa atualização. Acho que para uma nova geração de atores que não tinha nem nascido em 1988, o fato da novela ser baseada em outra nem faz tanta diferença. Mas, para mim, fica impossível desassociar. Eu adorava a novela, não perdia um capítulo, até hoje tenho cenas e diálogos muito vivos na minha memória.
P - Nos anos 1980, o Agilson se chamava Aprígio e era interpretado pelo Laerte Morrone. Como foi se inspirar sem se tornar uma mera cópia do desempenho original?
R - Uma parte do personagem é como se fosse uma homenagem. Acompanho a carreira do Laerte desde que ele fazia "Vila Sésamo". A gente, inclusive, quase trabalhou junto no teatro, mas o espetáculo acabou não acontecendo. O autor deixou as diferenças bem marcadas para não datar o personagem, a mudança de nome é um exemplo dessa tática. Então, tem uma leve referência ao passado, mas ele tem originalidade e coisas novas.
P - Agilson agora é um dos principais vilões da trama. Isso o deixa mais instigante?
R - Com certeza. Ele ganha força. Ele é capaz de cometer atrocidades, mas está bem defendido por uma parede cômica formada pelo jeitão atrapalhado, a língua presa e os planos megalomaníacos. Isso faz toda diferença para o público não o enxergar com tanta raiva. Outra coisa que eu sinto bastante é que o Agilson agora peita mais a mulher. Ele não é mais tão submisso a ela. Na primeira versão, essa fraqueza dele dentro do casamento era o gancho para trazer o riso para a cena. A releitura do Daniel Ortiz tem um tom diferente.
P - Como assim?
R - Hoje o riso precisa de algo mais. Acho que a comicidade das novelas contemporâneas só funciona quando se tem um pouquinho de verdade. As pessoas aceitavam melhor o humor canastrão no passado. O tom do meu núcleo como um todo é muito alto, exagerado mesmo, ao mesmo tempo, as piadas são cotidianas, realistas, acho que dessa forma tudo fica mais equilibrado. Engraçado que é a primeira vez que eu interpreto o pai de alguém. Não tenho filhos, então foi estranho ter de buscar isso.
P - Como essa paternidade afetou sua preparação?
R - A diferença enriquece. E acho que vem em um momento de maior maturidade também. Eu tive de procurar algo dentro de mim para encarar essa característica do Agilson e eu queria passar verdade. Uma das coisas que me ajudou muito foi me aproximar da Cláudia Jimenez e da Agatha Moreira, a gente realmente conviveu bem antes de começar a gravar como uma família. Mesmo achando que sou novo demais para interpretar o pai da personagem da Agatha, acho que está tudo funcionando bem (risos).
"Haja Coração'' – Segunda a sábado, às 19:20 h, na Globo.