Soraya Medeiros
Eu olho para o espelho, e a imagem que me devolve não é de uma heroína, nem de alguém que escalou montanhas ou fez grandes discursos. É só a minha — a mesma de sempre — um pouco mais marcada pelo tempo, talvez com um brilho recém-acendido nos olhos. Não tenho feito nada demais — apenas o que sempre soube fazer de melhor: renascer de mim mesma. Renascer das cinzas, sim.
Daquelas cinzas que se acumulam depois de um incêndio — seja ele provocado por dores antigas, por ausências gritantes, ou por toda a sorte de coisas que, com uma insistência quase sádica, tentaram me apagar. Tenho vivido dias de uma tarefa laboriosa — e, confesso, um tanto solitária —: a de me refazer, de me reconstruir com as próprias mãos.
É um trabalho de ourives, em que cada pedacinho quebrado é lixado, polido e transformado em algo novo. As feridas, aquelas que antes me faziam mancar, estão virando... bem, estão virando asas. E a analogia da Fênix — que de tão clichê se tornou quase um insulto — nunca fez tanto sentido.
É o motor de partida que sempre funciona, mesmo quando a bateria parece zerar
Eu volto a me erguer em chamas, mas não para fazer um show para a plateia. Não tenho de provar nada ao mundo lá fora, que mal se importa com os meus escombros. Eu me levanto para lembrar a mim mesma que sou feita de fogo e de luz. Que, por mais que o tempo e as quedas tentem me consumir — e olha, como tentaram! — há dentro de mim uma força silenciosa, teimosa, que insiste em recomeçar.
É o motor de partida que sempre funciona, mesmo quando a bateria parece zerar. E o que me encanta — o que me faz parar e rir da minha própria sorte — é o quão curiosa é essa força. Porque, mesmo depois de tanto, ainda encontro espaço para o amor. Mesmo depois das tempestades — aquelas que fizeram o chão tremer e o telhado voar — o coração insiste em bater.
E bate bonito, sabe? Cheio de fé, cheio de ternura. Ele não se tornou uma pedra fria, como eu pensei que se tornaria. Talvez seja isso, no final das contas, o milagre da vida — o verdadeiro ato de bravura: continuar amando, mesmo depois de tudo. Amar a si, amar o dia que chega, amar a xícara de café quente, amar as lembranças doces e, sim, amar a promessa de um novo afeto. Não, eu não tenho feito nada demais.
Estou apenas voltando a ser quem sempre fui — alguém que não desiste, que renasce, que acredita. Alguém que entende que o fogo que queima e incinera também pode aquecer e iluminar.
Soraya Medeiros é jornalista









