Dioneia Martins/ Mato Grosso do Norte
Depois de 24 anos sem um espaço dedicado exclusivamente às plantas medicinais, a Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Campus de Alta Floresta, voltou a cultivar uma tradição que sempre pertenceu ao território: o uso ancestral das plantas para cuidar do corpo e da vida. No dia 14 de novembro, durante o “II Workshop Alta-florestense de Práticas Integrativas e Complementares no SUS”, foi oficialmente lançado o novo Horto Medicinal de Alta Floresta, instalado na Unidade I, ao lado do Herbário da Amazônia Meridional.
O espaço, coordenado pelo professor Dr. José Martins Fernandes, nasceu com ambição e afeto. São 65 espécies cultivadas, um mosaico vivo que reúne desde plantas tradicionais da Amazônia até espécies vindas da Ásia, África e Europa — compondo uma verdadeira agrofloresta terapêutica. Para o pesquisador, o horto representa mais que um projeto: é a retomada de uma história interrompida em 2002, quando o antigo “Viveiro de Plantas Fitoterápicas” deixou de existir.
O horto ainda não tem bolsista, apenas acadêmicos que realizam estágios e atividades de extensão
Confira a entrevista completa com o Prof. Dr. José Martins Fernandes - Coordenador do Horto Medicinal de Alta Floresta.
Professor, a criação do Horto Medicinal marca um momento importante para o Campus de Alta Floresta. Como nasceu a ideia desse projeto e que necessidades ele buscou atender dentro da instituição e da comunidade de Alta Floresta?
R-Sim! Após 24 anos o Câmpus Universitário de Alta Floresta possui novamente o Horto Medicinal, agora no espaço da universidade (UNEMAT, Unidade I), por meio de Projeto de Extensão. Foi lançado oficialmente no dia 14 de novembro, à noite, durante o “II Workshop Alta-florestense de Práticas Integrativas e Complementares no SUS: Plantas Medicinais e Fitoterapia”. No evento, estiveram presentes acadêmicos e professores da universidade, representantes do Conselho Municipal de Saúde e do Conselho Municipal de Educação do município de Alta Floresta, da Escola Estadual de Tempo Integral Dom Bosco, do Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso, liderança do Bioenergético em Mato Grosso e comunidade externa. Foi um momento de aprendizado por meio das palestras e discussões, e de confraternização no espaço do horto, que estava lindo.
A universidade já teve o “Viveiro de Plantas Fitoterápicas de Alta Floresta”, no Parque Zoobotânico Leopoldo Linhares Fernandes, local que tive a oportunidade de fazer estágio durante os quatro anos da minha Graduação, em Ciências Biológicas, mas fechou em 2002. Foi um momento triste! Talvez tenha sido o início de uma trajetória longa e desafiadora para abrir novamente em 2025. Nesse intervalo, fiz a Especialização em Plantas Medicinais, pela Universidade Federal de Lavras, Mestrado, Doutorado e Pós-doutorado em Botânica, pela Universidade Federal de Viçosa.
Venho atuando como professor e pesquisador na UNEMAT, possibilitando aos acadêmicos maior interação com as plantas úteis em quintais de Alta Floresta, principalmente as medicinais. Porém, foi com o início da pandemia de COVID-19 que tive a oportunidade de intensificar os estudos em plantas medicinais, entre 2020 e 2025, foram escritos dois livros, 19 artigos e cinco capítulos sobre o assunto; foram quatro ações de extensão abertas a comunidade, dois minicursos, duas palestras e a fundação do evento - Workshop Alta-florestense de Práticas Integrativas e Complementares no SUS: Plantas Medicinais e Fitoterapia. Foi um período bastante agitado, com vários resultados positivos!
Agora, a universidade tem uma coleção viva em plantas medicinais. É um espaço para atender demandas no processo de ensino, pesquisa e extensão.
O horto já começa com uma coleção viva de 65 espécies cultivadas. Como foi o processo de seleção dessas plantas e quais critérios foram fundamentais para compor esse acervo inicial?
R- A seleção não foi tão simples, considerando que o Brasil possui a maior diversidade de plantas nativas do mundo, cerca de 38.200 espécies, e com amplo uso na medicina popular. Porém, ocorreu da seguinte forma: 1) incluir plantas nativas dos principais biomas brasileiros - Amazônia, Mata Atlântica, Caatinga e Cerrado; 2) cultivar plantas tradicionais da Amazônia, como guaraná, anador, cacau, urucum, ingá, maracujá, cipó-mil-homem, caninha-do-brejo, etc.; 3) cultivar plantas trazidas da Ásia, África, Europa e América do Sul, como café, boldo, erva-de-santa-maria, babosa, hortelã-graúda, açafrão, pimenta-do-reino, cana-de-açúcar, mirra, etc.; 4) incluir ervas, subarbustos, arbustos, trepadeiras, cipós e árvores, para estruturar uma agrofloresta medicinal; 5) ter espécies com eficácia terapêutica para os principais problemas de saúde; 6) e, incluir o maior número de famílias de plantas para atividades pedagógicas.
Porém, foi com o início da pandemia de COVID-19 que tive a oportunidade de intensificar os estudos em plantas medicinais, entre 2020 e 2025
O projeto tem uma tríplice função: ensino, pesquisa e extensão. Na prática, de que forma o Horto Medicinal vai impactar o trabalho acadêmico dos estudantes e dos professores?
R- Com apenas 8 meses, o horto já trouxe resultados positivos! No ensino superior, 58 acadêmicos de Agronomia, Ciências Biológicas e Engenharia Florestal, da UNEMAT, visitaram o espaço e realizaram atividades pedagógicas de Botânica. Na pesquisa, três acadêmicas de Biologia estão executando seus trabalhos de conclusão de curso (TCC), com os respectivos títulos: 1) Espécies medicinais do gênero Andira (Angelins - Leguminosae) no Brasil (acadêmica - Suelen Mara de Lima Garcia); 2) Espécies do gênero Erythrina (Mulungus, Leguminosae, Papilionoideae) utilizadas na medicina popular no Brasil (acadêmica - Suele Maria Costa de Souza); 3) Doenças da população de Vila Rica em 2021: com tratar usando plantas? (acadêmica – Midian Rodrigues Ferreira de Souza). E, na extensão, o horto proporcionou vários momentos de interação entre acadêmicos e comunidade externa, com destaque para a 1ª Semana de Extensão do Campus Universitário de Alta Floresta, que ocorreu em maio de 2025.
O horto contribuirá diretamente com a Secretaria Municipal de Saúde e com o Plano Municipal de Práticas Integrativas e Complementares do SUS. Como essa parceria deve acontecer? Que resultados vocês esperam para o atendimento à população?
R- Sim! Um dos objetivos do Horto Medicinal é trabalhar em conjunto com a Secretaria Municipal de Saúde. Essa aproximação já ocorreu em 2016, quando coordenei a IX Semana Acadêmica da Biologia (UNEMAT/AF), com a participação do técnico da Secretaria de Saúde Sr. Claudiomiro Vieira Germano da Silva, que proferiu a palestra “Linha de atuação do programa Saúde na Escola – PSE de Alta Floresta/MT”; em 2023, durante o “I Workshop Alta-florestense de Práticas Integrativas e Complementares no SUS: Plantas Medicinais e Fitoterapia”, esteve presente a Secretária de Saúde, em exercício, Sra. Maria Sirleide Gonçalves da Silva, que apresentou um panorama sobre as dificuldades de implantação das práticas integrativas e complementares pela secretaria, principalmente financeira, mas sugeriu que a universidade organizasse um espaço com plantas medicinais no CRAS (Centro de Referência de Assistência Social).
Foi um momento triste! Talvez tenha sido o início de uma trajetória longa e desafiadora para abrir novamente em 2025
Fazendo uma análise nacional, em 2025 o Ministério da Saúde disponibilizou mais de R$ 30 milhões, destinados a 1.304 municípios, para a implementação de ações com plantas medicinais e fitoterápicos com qualidade, segurança e eficácia. Essa verba foi suficiente para atender os objetivos dos municípios? Não! Os municípios também contribuíram financeiramente para que suas ações ocorressem, para que suas políticas municipais tivessem êxito! Essa é a estrutura do SUS, uma parceria entre as três esferas de governo - federal, estadual e municipal.
Nesse sentido, desde 2023 a universidade está a disposição para contribuir com a estruturação de uma política pública de práticas integrativas e complementares para o município de Alta Floresta, principalmente em plantas medicinais e fitoterápicos. As diretrizes nacionais estão disponíveis desde 2006 (Decreto nº 5.813/2006). Atualmente, apenas o setor privado do município está atuando na área, e muito bem.
Além do cultivo, existe uma expectativa de que o horto se torne um laboratório a céu aberto para estudos em fitoterapia. Quais projetos de pesquisa já estão em andamento ou previstos?
R- O Horto já é um laboratório a céu aberto, na categoria Coleção Viva, reconhecida pela universidade e pela sociedade. Quem chega ao local, pode apreciar a diversidade, a beleza, o cheiro e a textura das plantas cultivadas. Para cada planta, tem uma placa com o nome popular, nome científico e família botânica, enquanto as informações medicinais são relatadas durante as visitas.O horto ainda não tem bolsista, apenas acadêmicos que realizam estágios e atividades de extensão.
Considerando que fitoterapia é a prática terapêutica que utiliza plantas medicinais e seus derivados (chás, cápsulas, tinturas, óleos, etc.) para prevenção, tratamento e cura de doenças, sem a utilização de substâncias ativas isoladas, baseada no conhecimento popular e científico, então o horto já está atuando na área de fitoterapia. Atuando no resgate de informações medicinais na região de Alta Floresta e em outros lugares de Mato Grosso, por meio de pesquisas e ações de extensão. Vem atuando na conscientização das pessoas sobre o potencial das plantas medicinais, que pode prevenir, curar e até matar, dependendo da planta, da forma de uso, e da fonte da informação.
Alta Floresta tem uma relação histórica com o uso tradicional de plantas medicinais. O horto pretende dialogar com esses saberes populares? Como essa troca pode fortalecer o projeto?
R- Sim, cerca de 80% das pessoas de Alta Floresta fazem uso e/ou reconhecem a importância das plantas medicinais para o tratamento ou prevenção de doenças. Com base nesse dado, o horto atuará no resgate dessas informações seguindo os princípios da ética dentro da universidade, mas também pretende atuar com grupos comunitários interessados no assunto, com o propósito de agregar benefícios sociais.
No final de novembro, a acadêmica Luiza Erislaynny Santos Lira, do curso de Ciências Biológicas, concluiu o seu trabalho de conclusão de curso (TCC), intitulado “Etnobotânica na comunidade rural Novo Paraíso, município de Paranaíta, Mato Grosso, Brasil”, com 154 espécies utilizadas pelos agricultores, 68 medicinais. Os dados das espécies serão disponibilizados a comunidade, por meio de uma comunicação adaptada aos moradores. Outra forma de diálogo com os moradores da região de Alta Floresta poderá ocorrer durante edições do “Workshop Alta-florestense de Práticas Integrativas e Complementares no SUS: Plantas Medicinais e Fitoterapia”, com atividades itinerantes nos bairros e comunidades rurais.
Quais são os próximos passos para a expansão do Horto Medicinal? Há previsão de ampliar a coleção, criar novos espaços ou desenvolver ações junto às unidades de saúde?
R- Estruturar e manejar uma coleção viva não é fácil! Envolve suporte humano e financeiro, e atenção constante! A planta avisa quando o solo não está bom, quando falta água, quando tem pragas e doenças, quando encerra o seu ciclo de vida!
A estrutura atual do horto, com 256 metros quadrados, teve o apoio direto da universidade com o espaço cedido ao lado do Herbário da Amazônia Meridional e apoio de funcionários em algumas fases; a empresa Machadão Atacadista bancou as placas das espécies – ótima parceria, a universidade precisa do apoio da iniciativa privada; e, diversos acadêmicos contribuem com o manejo da área, mas apenas em atividades de estágio e de extensão.
Levando esses fatores em consideração, o horto será ampliado, mas de forma mais modesta, aguardando bolsistas e verba externa?
R- Sim! O horto pretende estreitar relações com as unidades de saúde. A sugestão é que a Secretaria Municipal de Saúde estruture uma política de plantas medicinais e fitoterápicos, principalmente, que é a base para acessar verbas públicas. E que essa política seja da secretaria, a longo prazo, e que continue mesmo com a mudança de gestores. A população adepta aos tratamentos tradicionais ou com a necessidade desses tratamentos, principalmente de baixa renda, merece ter pelo menos uma Unidade Básica de Saúde com esse perfil em Alta Floresta.
O caminho para isso é montar uma equipe interdisciplinar, abrir um edital exclusivo para atrair um médico com essa formação, com vontade de usar os recursos terapêuticos das práticas integrativas e complementares no SUS. Alta Floresta é um polo na área da saúde, não será difícil estabelecer metas para atender as necessidades da sua população.
E que essa política seja da secretaria, a longo prazo, e que continue mesmo com a mudança de gestores
Quando o senhor olha para os próximos cinco anos, onde imagina que o Horto Medicinal estará inserido dentro da instituição e da comunidade? Qual legado espera construir?
R- Nesse período, o foco principal será contribuir com a população da região de Alta Floresta, realizando pesquisas e interações com os moradores, com base na ciência popular e novidades da ciência tecnológica. Quanto a estrutura física, o horto já nasce grande, com a possibilidade de ampliação – essa é a minha vontade como coordenador. Como legado, espero “plantar” esperança, curiosidade e resiliência nos jovens estudantes, para que continuem estudando essa área tão necessária a sociedade. Como novidade, agora será Horto Medicinal de Alta Floresta, uma homenagem ao nosso município!










