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Opinião Sexta-feira, 31 de Julho de 2020, 00:00 - A | A

31 de Julho de 2020, 00h:00 - A | A

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ENTREVISTA | Volta às aulas exigirá cuidado com emocional de alunos e professores



A discussão sobre a volta às aulas vem mobilizando a todos sobre o impacto que esta decisão poderá trazer em meio a uma pandemia que não dá trégua. Além das questões relativas aos protocolos de higienização e distanciamento, a consultora educacional e psicóloga Carla Jarlicht, destaca que é preciso maior atenção aos aspectos emocionais, tanto de professores quanto de alunos. “Essa nova realidade será um grande desafio para todos na escola”, destaca a pesquisadora. Abaixo segue entrevista com a educadora. 

Pergunta- Quais os principais desafios dos professores na volta das aulas presenciais? 

R- Serão muitos os desafios. E vão dos aspectos estruturais e organizacionais da escola, que deverá atender aos protocolos, aos aspectos emocionais, que envolvem não só o acolhimento dos alunos como também o das famílias. Todos estão, em alguma medida, sensíveis a tudo que vem acontecendo. E, embora o professor seja parte desse coletivo, no momento em que a escola abre, é ele o catalisador de todas esses vetores, portanto o desafio será grande e seu papel ainda mais fundamental. 

No retorno ao ensino presencial, esse novo encontro, apesar de muito esperado por todos, demandará do professor novas estratégias para a reinvenção tanto das relações afetivas quanto do trabalho pedagógico, repensando os projetos, de acordo com a avaliação diagnóstica dos alunos. Essa nova realidade será um grande desafio para todos na escola, sobretudo para os professores que são o porto seguro dos alunos, suas famílias e coordenação. Portanto, o acolhimento deve também se estender a eles. Gestores e coordenadores precisam estar abertos para ouvir esses profissionais nas suas demandas e trabalhar em parceria. 

Pergunta- A execução dos protocolos de segurança dos alunos deve ficar sob responsabilidade, principalmente, dos professores. Como lidar com mais esta preocupação? 

R- A preocupação talvez não seja tanto em relação à execução dos protocolos de segurança, que serão seguidos, mas à garantia de que eles funcionarão 100%. Por mais que os professores se dediquem, se empenhem, criem as mais criativas estratégias para colocar em prática tais protocolos seria mais saudável e realista termos clareza de que não há como garantir o rigor, porque escola não é apenas a sala de aula, não é relação um para um, inúmeras podem ser as intercorrências quando há pessoas envolvidas e a situação em que vivemos, atualmente, ainda é frágil e ponto. Lidar com esse fato é fundamental para evitarmos expectativas irreais. Seria extremamente injusto colocarmos todo o peso dessa responsabilidade no colo do professor. O caminho não pode ser esse e precisamos evitar sobrecarregar um profissional já bastante requisitado. Sendo assim, como escola é o lugar do encontro, seria fundamental criar um espaço para diálogo transparente com as famílias e a comunidade para que, juntos, possam pensar sobre esse retorno às aulas e sobre como viabilizar a prática de tais protocolos. Discutir, ponderar, acalmar as angústias, alinhar as expectativas e planejar soluções possíveis. 

Pergunta- Você vê, tanto na rede pública quanto particular, alguma mobilização no sentido de preparar o professor para a nova realidade? 

R- Sabemos do abismo que existe entre as redes pública e particular, abismo esse que, com a pandemia, foi escancarado e aprofundado. Os professores de ambas as redes foram pegos de surpresa e alguns tiveram apoio de suas escolas, colegas e secretarias de Educação, a maioria, nada disso. 

Hoje ainda estamos em meio a uma pandemia e existe uma pressão para que se volte ao estado de normalidade. Não gosto de generalizar porque há diferenças entre as redes e dentro das mesmas, mas se os professores não estavam preparados antes, quando precisaram migrar do ensino presencial para o ensino remoto, também não estão sendo preparados agora, diante da possibilidade de retorno. E isso é um equívoco porque gera ainda mais ansiedade e insegurança em um momento de fragilidade. 

Embora haja uma divergência de opiniões em relação à retomada das aulas presenciais em meio a uma pandemia, uma coisa é certa: é preciso planejar esse retorno e preparar o professor é também o incluir como protagonista nesse processo. Portanto, o quanto antes as escolas começarem a dialogar e preparar o seu corpo docente, mais tranquilo e seguro será o retorno para todos, porque é preciso tempo para toda a reestruturação ser empreendida. E por reestruturação não falo apenas da questão física, dos novos espaços e ambientes. Refiro-me especialmente ao âmbito emocional, já que todos estiveram diante de uma situação completamente inesperada e de muitos lutos. 

Pergunta-  Muito se fala na higienização das unidades escolares e muito pouco sobre a parte psicológica que pode estar afetando as diversas comunidades de ensino do país. Que tipo de trabalho deveria estar sendo feito antes de se pensar na volta às aulas? 

R- Como José Pacheco, grande educador português, lembra sempre: “Escola não é um edifício, escola são pessoas”. Sendo assim, para além de todos os cuidados de higienização, que são importantíssimos, temos que focar na saúde emocional de crianças e adultos. A situação vivida ainda é delicada sob muitos aspectos e, sobretudo, o aspecto emocional. Muitas e diversas foram as perdas, não podemos fechar os olhos para isso, não será possível continuar de onde havíamos parado, como se tudo tivesse sido um feriado prolongado. 

A gestão das escolas precisará apoiar seus professores e as famílias oferecendo uma escuta ativa às suas demandas, criando fóruns de conversa que acolham suas dúvidas, fragilidades e questões. Por sua vez, os professores precisarão estar ainda mais conectados com seus alunos, com suas demonstrações de afeto e mudanças de comportamento. 

Pergunta-  Muitos pais não estão dispostos a deixar seus filhos voltarem às aulas presenciais. Como atender a esta demanda sem prejudicar o ensino do aluno? 

R- Primeiro, vale dizer que é importante legitimar essa preocupação das famílias e isso precisa ser entendido dentro do atual contexto que ainda é muito frágil e indefinido. Mais uma vez, o acolhimento das famílias e suas preocupações precisa ser objeto de trabalho por parte das escolas, que por sua vez, terão que se perguntar sobre a real possibilidade de atender a essa demanda sem sobrecarregar professores e alunos. Pode parecer algo muito simples e trivial para quem está de fora, mas não é. Não podemos pensar que a aula remota é a aula presencial transmitida de outra maneira. E que, em sendo assim, os alunos que estão online estariam vivendo a mesma situação de aprendizagem que os que estão em sala de aula. Isso é um equívoco. É preciso colocar que a experiência da escola é insubstituível. Escola é o lugar do encontro, como já disse. É lá que as crianças convivem, socializam e aprendem umas com as outras, com os professores e educadores. Portanto, pensar um cenário de aprendizagem onde parte da turma esteja em sala e outra parte online é pensar numa exceção, onde haverá perdas de diferentes formas para todos.

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