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Artigo Sexta-feira, 02 de Outubro de 2020, 00:00 - A | A

02 de Outubro de 2020, 00h:00 - A | A

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A seca na seara dos valores



Gaudêncio Torquato

O processo civilizatório se assemelha a uma régua que mede a evolução de costumes, princípios e valores, avanços e retrocessos. Nem sempre ocorrem mudanças que emoldurem a história do Homem, principalmente ante a paisagem de devastação que flagra crescente litigiosidade entre seres e Nações, desvairada competividade no campo dos negócios e empreendimentos, luta acirrada entre grupos, alas e até credos religiosos, cada qual com a ambição de brilhar na galeria dos maiores e melhores. Em alguns nichos, os avanços fluem sob a égide de pesquisas científicas em áreas como as ciências biomédicas, a inteligência artificial, a agricultura, a engenharia de produção.
Mas é inegável que, no sagrado altar dos valores, a Humanidade vê esgarçada sua teia, particularmente no plano da Dignidade. A ambição, a luta do poder pelo poder, a inveja, a mentira, as falsidades que impregnam a interlocução entre as pessoas, enfim, a ideia de que se deve tirar proveito de tudo, constituem, entre outros, os braços que puxam o planeta para o seio de nossa ancestralidade. Olhe-se para esse mundo pandêmico como exemplo de interesses políticos, econômicos, geográficos, a denotar que nem a ciência pura está livre de injunções oportunistas, essas que atuam até na esfera eleitoral, como se constata, hoje, por aqui e por acolá, sendo bom exemplo a quadra eleitoral em que vivem os Estados Unidos.
A era do valor do compromisso está indo embora. Nossos pais e avós, ao firmarem negócios, garantiam pela palavra dada ao parceiro, o fechamento do acordo. Os papéis em cartório apenas finalizavam uma cultura sagrada: a força da palavra dada. O débito, o crédito, a crença, a aceitação, a rejeição de alguma coisa tinham por trás o compromisso explícito. A identidade das pessoas e perfis era ancorada na conversa que ditava as regras do cotidiano. Claro, havia desavenças. E até mortes nos conflitos de famílias que lutavam pelo poder. Mas certo respeito se via até entre rivais.

A educação era um momento de grandeza. Os pais lutavam, suavam, apuravam seus recursos para formar os filhos. Não eram Bolsas de Valores que pescavam o dinheiro. Os pais guardavam seus mil réis em velhos e pesados cofres ou sob o colchão. Formar um filho, dar a ele a educação para enfrentar desafios do futuro – era o ideal dos chefes de família. Que exibiam orgulho pela prole bem educada, instruída. Riquezas foram investidas na educação dos filhos, a ponto de muitos terem morrido pobres. Porém, felizes.

O educador era uma referência. De saber, de grandeza, de boa orientação, de conjunção de bons propósitos. Pinço, aqui, um caso contado por um rabino durante um casamento. A historinha se alastra num vídeo que circula nas redes. Um ex-aluno encontra seu velho professor, aproxima-se e pergunta: “lembra de mim”? 
Responde o mestre: “Não, quem é você? Ah, deve ter sido meu aluno”. O rapaz relembra a situação ocorrida na escola. Viu um colega com lindo e caro relógio e o surrupiou. O menino,  ao constatar o roubo, abriu o bico. Quem foi, quem não foi? Balbúrdia. O professor fechou a porta e pediu que todos formassem uma fila. O raptor ficou desesperado. Iria ser flagrado, pois o professor iria procurar o relógio em todos os bolsos. Surpresa: pediu para todos fecharem os olhos. E assim conseguiu recuperar o roubo. O ex-aluno continua a conversa: “professor, o senhor salvou minha alma, minha dignidade. O senhor sabe que fui eu”. O mestre: “não, eu nunca soube que foi você. Eu também estava de olhos fechados”.
 Qual a razão? A vontade de poder. Nietzsche escreveu sobre “A vontade de Poder”, mas nunca publicou um livro com este nome. Após sua morte, a irmã Elizabeth publicou uma coletânea de notas inéditas. Ali se lê: “Você quer um nome para este mundo? Uma solução para todos os seus enigmas? Este mundo é a vontade de poder – e nada além disso! E vocês também são essa vontade de poder – e nada além disso”.

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