Cada um de nós tem muito claro o que, de fato, é trabalho escravo, e o que pode ser comparado, ou ser análogo a trabalho escravo. Certamente não é o que está na legislação brasileira, principalmente relativa ao que ocorre nas áreas rurais. Além da CLT, o trabalho rural é regulamentado pela NR 31 que traz preciosidades como a definição do número de chuveiros para os trabalhadores e a distância entre dois colchões do beliche.
Se um chuveiro queimar, e o local for visitado por um fiscal do trabalho, pronto, o produtor é enquadrado como responsável por condições análogas à escravidão. Se a distância entre colchões for 1.0 cm abaixo de 1,0 m, dá-lhe multa. Além das multas, o empregador é automaticamente adicionado à lista de escravagistas, o que pode colocar sua propriedade à disposição para desapropriação, o inabilita ao crédito agrícola, entre outros aborrecimentos menos graves.
Quem tem sido responsável pelo julgamento das nuances e dos detalhes? Os todo-poderosos fiscais do trabalho, promotores e outros arautos da liberdade. É interessante que, nestes casos, o ruralista é sempre o bandido, como se não houvesse distorções na aplicação da legislação, como se os fiscais e que tais não tivessem ideologia interferindo em seu julgamento. E a defesa do produtor? Bom, esta é outra estória. O “escravagista” é assim considerado até que prove o contrário. Ou seja, é condenado antes do julgamento. Bem ao contrário do que temos assistido por aí!
As consequências desta legislação se fazem sentir na zona rural há algum tempo
As consequências desta legislação se fazem sentir na zona rural há algum tempo. O medo dela tem levado ao desemprego. Fazendas mudam seu sistema operacional e de gestão para contratar cada vez menos gente. É perigoso contratar gente! Já temos a generalização da aplicação de fertilizantes na superfície do solo, pois rende mais, ocupa menos tratores, e menos tratoristas. Tem problema fazer isso?
Muitos. Começando pela menor eficiência dos fertilizantes, em boa parte importados, o que faz que se gaste mais que o necessário. Deve-se ainda considerar o risco ambiental, pois os fertilizantes colocados na superfície do solo são facilmente lavados para os cursos d’água, que são então poluídos. Assim, a legislação tem levado insegurança jurídica ao campo, implica em maior custo de produção, menor competitividade, em mais importação, em risco ambiental e, principalmente, em restrição ao emprego.
Muito bem, quando o governo resolve editar um decreto regulamentando a aplicação da lei, e não a abrandando, como querem muitos, até o Supremo Tribunal Federal se envolve procurando manter os status quo, mantendo o desemprego, evitando melhoria da competitividade do campo, mantendo o risco ambiental, prejudicando a balança de pagamentos.
Esperemos que nossos juízes entendam o mal que fazem ao país ao interpretarem de modo enviesado o decreto presidencial, e que a liminar monocrática seja derrubada o mais rápido possível. Esperemos que nosso presidente não volte atrás. Certamente, isto sim, seria um enorme retrocesso.
Ciro Antonio Rosolem Professor Titular da Faculdade de Ciências Agrícolas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FCA/Unesp Botucatu).