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Artigo Sexta-feira, 17 de Outubro de 2025, 10:24 - A | A

17 de Outubro de 2025, 10h:24 - A | A

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Para não acontecer de novo

Ao perdoar, em nome da “pacificação”, o país ensinou aos conspiradores que não haveria consequências



Ricardo Viveiros

Após longo e responsável processo judicial, o Supremo Tribunal Federal condenou Jair Bolsonaro pelos crimes relacionados à tentativa de golpe de Estado. Nunca um ex-presidente brasileiro foi assim responsabilizado. Diante da pressão por uma anistia incabível, cabe a pergunta: seus outros crimes serão perdoados?

A trajetória de Bolsonaro revela que a tentativa de golpe não foi um raio em céu azul, mas o ápice de uma escalada de três décadas. Sua carreira parlamentar e presidencial traz práticas de corrupção, ataques à democracia e proximidade com grupos criminosos. As “rachadinhas”, reveladas no caso Fabrício Queiroz, mostram a promiscuidade entre vida pública e privada.

No gabinete de Flávio Bolsonaro, o desvio superou R$ 6 milhões. Funcionários fantasmas, como a “Wal do Açaí”, são parte do mecanismo: salários públicos usados como fonte de enriquecimento ilícito. A ligação com o “Escritório do Crime”, chefiado por Adriano Nóbrega, mostra que a fronteira entre política e crime organizado foi cruzada.

Os cheques de Queiroz à Michelle Bolsonaro, R$ 89 mil, seguem inexplicados. E quando Queiroz precisou se esconder, foi encontrado no sítio do advogado da família do ex-presidente. Bolsonaro aprofundou a lógica do escândalo permanente.

O ex-ministro Ricardo Salles é investigado por facilitar exportações ilegais de madeira; o Ministério da Saúde foi palco de suspeitas de propina na compra de vacinas, além do negacionismo que matou milhares de pessoas; no Ministério da Educação, estranhos negociavam verbas em troca de ouro. A interferência direta de Bolsonaro na Polícia Federal para blindar familiares revelou a tentativa de capturar o aparato estatal.

O 31 de março de 1964 só foi possível porque anteriores tentativas fracassadas não foram punidas

Os “tratoraços”, os ônibus escolares com preços inflados e o chamado “bolsolão do lixo” expuseram um esquema de superfaturamentos bilionários, sustentados pelo orçamento secreto — mecanismo que drenou recursos de áreas sensíveis para alimentar a base política do governo.

Não por acaso, Flávio Bolsonaro adquiriu mansão de quase R$ 6 milhões, enquanto investigações apontam que a família comprou 51 imóveis, muitos pagos em cash. A política de sigilos de 100 anos fecha o quadro: esconder informação foi estratégia de governo.

Notícias falsas contra o sistema eleitoral e ataques a jornalistas criaram o caldo de cultura que desembocou no vandalismo de 8/1/2023. Golpe, como registra a História, não é um ato isolado, mas um processo. Bolsonaro o conduziu passo a passo. O Brasil, historicamente, lidou com anistia para golpistas. O 31 de março de 1964 só foi possível porque anteriores tentativas fracassadas não foram punidas. Ao perdoar, em nome da “pacificação”, o país ensinou aos conspiradores que não haveria consequências.

Não se trata de revanche, mas de justiça. Aceitar a democracia implica em regras: alternância de poder, transparência, responsabilidade pública. Está em jogo não apenas o destino de um político, mas a chance de romper com um ciclo que abre espaço para novos ataques ao Estado de Direito.

O julgamento do STF inaugura oportunidade histórica: mostrar que golpes, tentativas ou preparativos não podem ser anistiados. Só assim construiremos a crença coletiva de que, no Brasil, a democracia não é um intervalo entre rupturas, mas um pacto sólido e definitivo.

  *Ricardo Viveiros, jornalista, professor e escritor, é doutor em Educação, Arte e História da Cultura (UPM); membro da Academia Paulista de Educação

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