Jornal Mato Grosso do Norte
Reportagem
Mato Grosso do Norte
O número de crimes de pistolagem em conflitos agrários em Mato Grosso aumentou 637% em apenas um ano, segundo dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra de Mato Grosso. Segundo o levantamento da comissão, 1.423 casos foram registrados em 2015, contra 193 ocorrências em 2014.
Os dados também apontam crescimento de quase 59% nas ocorrências de conflitos agrários no mesmo período, sendo 62 casos registrados no ano passado, envolvendo mais de 30 mil famílias. Ao todo, conforme a pastoral, nos últimos 30 anos, 125 já foram assassinadas durante disputas por terras no estado.
A região norte de Mato Grosso se transformou em um cenário de conflito e briga pela posse da terra. Um dos casos mais graves registrados no estado ocorre em uma área de 15 mil hectares, em Novo Mundo, na fazenda Araúna. Segundo Cristiano, coordenador da Comissão Pastoral da Terra, o conflito no local teve início em 2009 e, hoje, cerca de 100 famílias que lutam pela área se encontram acampadas do lado de fora da cerca da fazenda, em uma estrada de terra.
“Eles reivindicam na Justiça o direito de ocuparem aquela terra. No dia 21 de fevereiro deste ano, a situação se agravou. Cinco encapuzados jogaram gasolina e atearam fogo no acampamento que os sem-terra montaram na estrada em frente à fazenda, após despejo pela polícia, levando terror a crianças e mulheres. Em um dos barracos incendiados estavam dois menores, que conseguiram escapar. Motos e carros foram destruídos. Além disso, jogaram gasolina em uma criança que estava dentro de um barraco, mas ela foi salva pela mãe de ter o corpo queimado”, relatou.
O grupo ocupou parte da Araúna pela primeira vez em 2012. Montou barracos e iniciou plantios de banana, mandioca e milho. Marcelo Bassan Júnior, filho do médico morto, entrou com mandado para a retirada dos sem-terra. A juíza Adriana Sant’Anna Coningham, da Vara da Justiça Agrária de Mato Grosso, aceitou o pedido. O juiz federal em Sinop, Murilo Mendes, confirmou a decisão de Adriana. Tonhaco, o líder dos sem-terra, reclama que a magistrada, por ser da Justiça Estadual, não poderia atuar num caso de terra da União. “Em Mato Grosso, a Justiça não olha o drama social. São famílias em uma situação de vida difícil”, afirma. “Quer matar pode matar. A gente continua aqui até quando tiver vida.”
De acordo com o coordenador, na ocasião, quatro pessoas foram juradas de morte pelos pistoleiros, entre elas o líder do acampamento. As pessoas ameaçadas e suas respectivas famílias estão escondidas.
“Naquela região já tivemos muita gente ferida, gente que levou coronhada na cabeça, que foi obrigada a deitar no chão e comer terra. A situação é grave. Ao todo, na região de Novo Mundo, 17 pessoas foram marcadas para morrer. Uma delas já foi assassinada.
A disputa pela área Araúna, conforme reportagem publica pelo jornal O Estado de São Paulo, começou para valer em 2008, com a morte do ruralista e médico Marcelo Bassan, antigo ocupante da área que ultrapassava 15 mil hectares. Nos anos 1980, Bassan adquiriu um título de cerca de 5 mil hectares e, para garantir a regularização do restante da terra, fez acordo com famílias de agricultores pobres, repassando a elas uma pequena parte. Enquanto abria 80 quilômetros de estrada e colocava quase 100 quilômetros de cercas, Bassan tentava regularizar toda a fazenda. O ruralista morreu sem conseguir passar para seu nome a terra da União.
Para o coordenador da Pastoral da Terra, falta vontade ao estado e ao Judiciário para tomarem uma posição mais rápida quando aos conflitos agrários e determinarem a quem pertence cada terra disputada. Segundo ele, apenas fazer a reforma agrária da forma como o governo tem feito, atualmente, não resolve a situação.“As terras são públicas, pertencem ao estado ou à união. Quando sabem que a terra é pública, os camponeses se veem no direito de ocuparem aquele lugar, mas os latifundiários, que também brigam pela posse da terra, se acham no direito de defender o espaço por meio de [crimes de] pistolagem”, afirmou.