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Opinião Quarta-feira, 17 de Janeiro de 2024, 14:11 - A | A

17 de Janeiro de 2024, 14h:11 - A | A

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Mato Grosso não é rico e o povo sente isso!

Aqui em Mato Grosso, esse nível de Insegurança Alimentar é de 17,7%, o que está acima da média nacional de 15,5%



Lucineia Soares

Sabe aquela frase lá da época da ditadura militar “deixar o bolo crescer para depois repartir” o crescimento econômico é mais ou menos isso.
O Estado incentiva o aumento na produção, no caso de Mato Grosso, a produção agrícola e pecuária, por meio de políticas públicas como a de renúncia fiscal, algumas já quase 30 anos. Fica uma questão: se já somos tão desenvolvidos tecnologicamente, se a produtividade já é umas das maiores do Brasil, quiçá do mundo, já não seria hora de seguirem sozinhos?
Além disso, o Estado investe fortemente em estradas, gerando assim riqueza a partir da atividade de plantar, criar e exportar. Essa é a aposta diária da política mato-grossense. A questão é que o bolo cresceu, mas pouquíssimas pessoas estão saboreando.
Num olhar rápido pelos diversos sites de notícias de Mato Grosso, todos os dias temos notícias sobre o assassinato de jovens, mortes ligadas ao crime organizado ou inicialmente suspeita-se, e muitos no interior do estado.
Entre as 10 cidades mais violentas do país, encontra-se o município de Sorriso, segundo a taxa de Mortes Violentas Intencionais, com população acima de 100 mil habitantes.
Não há um dia em que uma mulher não seja morta pelo fato de ser mulher, ou tenha sua casa invadida, queimada, seus filhos e filhas violentados ou mortos. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública - 2023, de 2021 para 2022, houve um aumento de 7,7% no número de feminicídios em Mato Grosso.
É terrível o quanto nossas crianças são violentadas e mortas no nosso estado. A barbárie ou ignorância atinge principalmente os mais vulneráveis: as mulheres, as crianças e os idosos e idosas. De 2021 para 2022 houveram 1.447 estupros de vulneráveis um aumento de 17% conforme Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023.
Para além das preocupantes estatísticas de violência no estado, é crucial analisarmos os números relacionados aos casos de hanseníase. Esses dados evidenciam a distância considerável que ainda persiste em transformar a riqueza produzida por todas as pessoas deste estado em desenvolvimento social e qualidade de vida.
O Brasil é o segundo lugar no mundo de casos de hanseníase, perdendo apenas para Índia e ficando à frente da Indonésia, de acordo com o Boletim Epidemiológico de janeiro de 2023 do Ministério da Saúde.

Aqui em Mato Grosso, esse nível de Insegurança Alimentar é de 17,7%, o que está acima da média nacional de 15,5% e é o mais alto entre os estados da região Centro-Oeste

Para termos uma ideia do tamanho da questão social, numa análise espacial (clusters) “(...) entre 2017 e 2020, sendo composto de 41 municípios, todos localizados em Mato Grosso, e constituiu a área de maior risco para contrair a hanseníase.” “Em 2021, Mato Grosso foi a Unidade Federativa que apresentou a maior taxa de detecção geral, 58,76 casos novos por 100 mil habitantes, todos localizados em Mato Grosso, e constituiu a área de maior risco para contrair a hanseníase.” (BRASIL, 2023, p.12).
Somos um estado hiperendêmico, ou seja, aqui em Mato Grosso a hanseníase é uma doença com presença constante no estado, com uma elevada taxa de incidência (casos novos) e/ou prevalência (casos atuais).
Os estudos demonstram que a hanseníase está diretamente relacionada às condições de vida da população. Em outras palavras, uma população pobre, baixa escolaridade, sem acesso à saúde, principalmente a uma atenção primária à saúde de qualidade, sem acesso a habitação, água tratada, rede de esgoto, alimentação de qualidade são mais propensas a ser afetada por doenças características de países pobres.

É necessário forte investimento na rede de proteção social básica e nos serviços socioassistenciais

Nesse sentido, outro número demonstra bem o quanto a questão de ter comida na mesa ou não é um desafio para um Estado que é chamado de ‘celeiro do mundo’. Em 2022, um inquérito nacional realizado pela Rede PENSSAN apresentou dados e análises sobre a insegurança alimentar nos estados. Nesse estudo, a Insegurança Alimentar Grave é quando a pessoa sente fome e não come por falta de dinheiro, se alimenta apenas uma vez por dia ou passa fome o dia inteiro.
Aqui em Mato Grosso, esse nível de Insegurança Alimentar é de 17,7%, o que está acima da média nacional de 15,5% e é o mais alto entre os estados da região Centro-Oeste. Portanto, o celeiro é restrito e disponível para poucos.
Outro número impactante é a quantidade pessoas cadastradas no CadÚnico. O CadÚnico e um banco de dados do Governo Federal que identifica todas as famílias de baixa renda existentes no país para que elas possam ter acesso às políticas públicas da Assistência Social e redistribuição de renda.
A população de Mato Grosso, segundo o IBGE de 2022, é de 3.658.813 milhões de pessoas. Desse total, 1.697.969 milhões de pessoas estão cadastradas no CadÚnico, ou seja, 46% da população de Mato Grosso são pessoas com baixa renda, resultado de uma atividade econômica concentradora de renda que amplia a desigualdade social.
O povo de Mato Grosso precisa de políticas públicas para agricultura familiar, para além dos latifúndios. É necessário forte investimento na rede de proteção social básica e nos serviços socioassistenciais, seguindo o que preconiza o SUAS e a ampliação de recursos financeiros na atenção primária nos municípios e nas redes de atenção à saúde. Apenas hospitais não garantem saúde no conceito mais amplo. Além disso, é essencial promover uma educação pública que incentive a criatividade, a democracia, inovação e a ciência.
Talvez assim, um pedaço desse bolo chegue para todas as pessoas que vivem neste estado.

Lucineia Soares Economista, Mestra em Política Social e Doutora em Sociologia

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