Joel Quintella
O Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é o imposto a ser pago ao município toda vez um imóvel é vendido a outrem, a título oneroso, tendo como fato gerador (momento da exigibilidade/cobrança) quando do registro da escritura pública ao pé da matrícula, nos termos dos arts. 35 do CTN e 1.227 e 1.245, todos do Código Civil. Portanto, o pagamento do ITBI no ato da lavratura da escritura pública é antes de tudo uma faculdade do comprador em antecipar o pagamento de um tributo, não podendo nunca ser uma exigência do serviço cartorário.
A base de cálculo do ITBI sempre foi motivo discórdia e descontentamento dos contribuintes, pois os municípios utilizam como base de cálculo o maior valor entre: (i) valor do negócio; (ii) valor venal do imóvel (IPTU); (iii) o valor de mercado, segundo base de dados do município.
Até recentemente o STJ mantinha entendimento que a base de cálculo do ITBI deveria ser o valor do negócio ou o valor venal do imóvel (IPTU), inadmitindo qualquer outro valor ou base de dados do município, a exemplo do julgamento do REsp 1.545.763 - SP (2015/0184939-1), publicado no DJe em 21/08/2015.
Todavia, em 24/02/2022, no julgamento do REsp 1937821/SP, o STJ modificou o entendimento de outrora. Não bastando, face o REsp ter sido julgado sobre afetação de demanda repetitiva, todos os Juízes, os Tribunais de Justiça e, as Prefeituras, estão obrigados a seguir o novo entendimento. A nova tese firmada sob Tema Repetitivo nº. 1113, é1:
a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;
b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);
c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente. (g.n.)
A premissa maior, embasada nos votos dos Doutos Ministros, é a boa-fé objetiva das partes (vendedor e comprador) e por tal presume-se que o valor do negócio lançado na escritura pública representa o valor médio de mercado do imóvel alienado.
Infelizmente a velha prática de tentar reduzir ou sonegar imposto ainda vigora nos dias de hoje e uma de suas formas é justamente a de lançar na escritura pública o valor do imóvel abaixo do realmente negociado. É fato.
É certo que o ITBI é imposto que comporta apenas 02(dois) tipos de lançamento: a) por declaração, à qual, o contribuinte declara o valor do imóvel (valor do negócio) e o município anui, emitindo a guia para pagamento do imposto, ou, b) por homologação, neste caso o município NÃO concorda com o valor atribuído pelo contribuinte, obrigando-se a abrir processo administrativo próprio para apuração do valor de mercado do imóvel alienado. Nesta seara, a dúvida que impera no momento é: qual será a postura a ser adotada pelo Fisco?.
Isto porquê, via de regra, sendo o ITBI um imposto de lançamento por declaração, o município haverá(ia) de emitir o boleto para seu pagamento, tendo por base de cálculo o valor do negócio declarado pelo contribuinte (comprador), para que após pagamento possa obter a guia do ITBI e assim registrar o imóvel em seu nome.
Seguindo a regra tributária, somente
após lançado o ITBI por declaração é que o Município, mediante procedimento interno, poderá ou não concordar com o valor declarado
. Em caso de concordância, encerra-se a questão, caso contrário, deverá abrir processo administrativo próprio, para apurar o valor de mercado do imóvel e, ao final, emitir a guia da diferença do imposto, caso existente(lançamento por homologação), comunicando o Cartório de tal alteração para fazer constar na matrícula do imóvel. A princípio, é o que se espera do Fisco. É o que dispõe o art. 148 do CTN.
Porém, o Min. Gurdel de Faria, relator do REsp 1937821-PS, em seu voto ressaltou que:
Constata-se, dessa forma, que, dadas as características próprias do fato gerador desse imposto, a sua base de cálculo deverá partir da declaração prestada pelo contribuinte, ressalvada a prerrogativa da administração tributária de revisá-la, antes ou depois do pagamento, a depender da modalidade do lançamento, desde que instaurado o procedimento administrativo próprio, em que deverá apurar todas as peculiaridades do imóvel (benfeitorias, estado de conservação, etc.) e as condições que impactaram no caráter volitivo do negócio jurídico realizado, assegurados os postulados da ampla defesa e do contraditório que possibilitem ao contribuinte justificar o valor declarado.
Se a postura do Fisco for a de instaurar processo administrativo próprio para avaliação do imóvel, em discordância com o declarado pelo contribuinte, antes da emissão do boleto para pagamento do ITBI, muito provavelmente o caos restará instaurado, pois raramente os municípios possuem estrutura para atender a grande demanda que será gerada.
Vejamos. O Fisco deverá abrir processo administrativo próprio, desiginando fiscal de tributos para visitoriar o imóvel e confeccionar relatório com as características físicas e de conservação, devendo ainda avaliar o preço dos imóveis a venda na região e a média do valor do m², entre outros pormenores, para só então aferir o valor de mercado deste imóvel em questão(base de cálculo do ITBI). Após, deverá intimar o contribuinte que poderá concordar ou discordar do valor e assim segue. Qual o prazo de conclusão deste Processo Administrativo? Só o tempo dirá e, enquanto isto, o contribuinte não conseguirá registrar sua escritura pública na matrícula do imóvel ou, mesmo lavrá-la, caso tenha optado por antecipar o recolhimento do ITBI no ato da escritura.
Lembrando que não é mais permitido ao Fisco apurar de ofício o valor de mercado do imóvel, vez que este tipo de lançamento não possibilita congregar todas as variáveis determinantes para a composição do valor de mercado do imóvel alienado.
Outro ponto negativo que poderá incidir sobre o contribuinte, caso o Fisco apure valor de mercado bem superior ao declarado, é a provável comunicação do negócio ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) pelo Cartório, por força do provimento nº. 88/2019 do Conselho Nacional de Justiça, para fins de apuração de suspeita de lavagem de dinheiro, crimes tributários, dentre outros, conforme explanado em artigo anteriormente escrito em nosso blog2.
Porém, uma boa forma de evitar tais transtornos é a prevenção, com um trabalho de elisão fiscal e, se possível, de planejamento patrimonial, visando sempre o menor encargo tributário e sem necessidade de sonegação ou ocultação de recebíveis, conforme artigos anteriormente escritos em nosso blog3.
Contribuinte, reduza ou até mesmo anule os riscos fiscais e tributários de seu negócio, consultando um advogado especialista no assunto para melhor orientá-lo.
Joel Quintella – Advogado
OAB-MT 9563
Sócio da Quintella & Mello Advogados Associados
1https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?&l=10&i=1&tt=T
2https://qm.adv.br/post/5/a-lei-de-sonegacao-fiscal,-da-lavagem-de-dinheiro-e—a-alienacao-de-imovel-rural.
3https://qm.adv.br/post/3/vamos-falar-de-planejamento-tributario-? ; https://qm.adv.br/post/19/o-planejamento-sucessorio-como-meio-de-protecao-patrimonial ; https://qm.adv.br/post/36/e-hora-de-pensar-na-protecao-de-seu-negocio,-de-seu-patrimonio-e,-quica,-no-planejamento-sucessorio ; https://qm.adv.br/post/35/a-organizacao-patrimonial-como-medida-juridica-para-obtencao-de-elisao-fiscal