Sábado, 05 de Julho de 2025

Opinião Sexta-feira, 09 de Setembro de 2022, 09:16 - A | A

09 de Setembro de 2022, 09h:16 - A | A

Opinião /

Os números da economia o impacto para população negra e o período eleitoral

Na taxa de subutilização da forma de trabalho as mulheres negras ficam com 40,9% e as não negras com 27,7%



Lucineia Soares é economista, Mestra em Política Social e Doutora em Sociologia

A realização de uma análise sobre a conjuntura econômica de determinado país, estado ou município trata-se de apresentar os grandes números dessa economia, como o PIB, a receita e despesa pública, dívida pública, o mercado de trabalho, taxa de juros aplicada no mercado, entre outros indicadores da macroeconomia.

Porém, é preciso fazer um recorte, puxar a lupa, ir mais a fundo e realmente enxergar como cada um desses indicadores afetam determinados grupos na sociedade.

Neste momento importante que vivemos, a escolha de novos representantes para os Poderes Legislativo e Executivo, é primordial observar se nos Planos de Governo e nas propostas de leis há o atendimento a cada um desses grupos, considerando que essas características, necessidades e vulnerabilidades são frutos de um processo histórico, social e político, inclusive com a participação do Estado.

Aqui, no Brasil, a dívida para com a população negra é visível ao analisarmos cada um desses indicadores. Quando apuramos esses números para a questão de raça, quando possível de gênero, percebemos o quanto numa crise econômica, agravada pela pandemia da COVID-19, a população negra é a mais afetada.

O Brasil iniciou este ano com a inflação em alta e é um dos países com maiores taxas em comparação às grandes economias mundiais. Apesar da redução no número de desempregados, segundo o IBGE, a visão real do mercado de trabalho no segundo trimestre de 2022 nos mostra, na verdade, um avanço no número de pessoas no mercado informal. Houve um recorde nesse tipo de trabalho. Segundo o IBGE, há 39 milhões de pessoas na informalidade. mas, antes da pandemia o Brasil já estava próximo desse número.

Para os analistas do IBGE, esse comportamento é quase estrutural. Por exemplo: com certeza vocês têm alguém na família que trabalhou a vida toda e nunca teve a carteira de trabalho assinada e que, com isso, provavelmente teve ou terá muita dificuldade em conseguir uma aposentadoria.

Na taxa de subutilização da forma de trabalho as mulheres negras ficam com 40,9% e as não negras com 27,7%

Se em relação a esses números o Brasil apresenta dados preocupantes, em relação à receita, o que o Estado arrecada por meio de impostos, taxas e contribuições tem apresentados valores expressivos. Até junho de 2022 o Governo Federal havia arrecadado 18% a mais em comparação ao mesmo período de 2021. Boa parte desse aumento foi em virtude do que vimos anteriormente, a inflação, principalmente dos preços dos combustíveis.

Na verdade, não temos um crescimento da produção, mas um aumento dado pela inflação e pelo aumento no lucro das empresas, o que não necessariamente reflete em melhoria para a maioria da população.Nesse período, o país voltou ao Mapa da Fome. Conforme pesquisa pelo Instituto Vox Populi, o Brasil pulou de 19 milhões para 33 milhões de pessoas que não tem o comer, em 2022. Em Mato Grosso, vimos a concretude desses números na fila “dos ossos”, em Cuiabá.

Tudo que o apresentamos de dados, números e valores até aqui não impacta toda a população brasileira da mesma forma. Não somos todos iguais e a justificativa de que o sangue que corre nas veias é igual para todos e todas não vale quando o que se busca é o acesso ao trabalho, renda, saúde, educação, moradia, cidadania, entre outras garantias básicas e constitucionais.

O desemprego atinge muito mais a população negra, segundo o Diesse (dados do 2º trimestre de 2021). Na taxa de subutilização da forma de trabalho as mulheres negras ficam com 40,9% e as não negras com 27,7%. No trabalho desprotegido, aquele onde os trabalhadores não têm a carteira assinada ou são autônomos e não contribuem (ou não conseguem) para o INSS, as mulheres negras ocupam 46% e os homens negros ocupam 48%.

Os analistas explicam que há um ciclo vicioso que perpetua o não avanço. São as crianças negras as que têm menor acesso à educação e políticas públicas importantes, como alimentação e moradia e, como consequência disso, não conseguem chegar ao mercado de trabalho com as qualificações necessárias. Quando conseguem, o racismo sempre demonstra suas várias formas; mesmo apresentando o mesmo nível de qualificação, a pessoa negra recebe menos realizando o mesmo trabalho. O cenário é pior quando analisamos por gênero, pois a mulher negra é a mais explorada, subutilizada e menor remunerada e, assim, menos protegida.

Em um sistema tributário regressivo como é o caso do Brasil, a maior parte dos recursos vêm de impostos que incidem sobre o consumo, assim, aquela pessoa que possui uma renda que basicamente garante o mínimo para sua existência tem em média aproximadamente 40% da sua renda retirada e destinada ao Estado.

Entretanto, na destinação destes recursos, esse mesmo Estado, que fez uma opção ao arrecadar mais com base no consumo, menos na renda e muito menos ainda no patrimônio, não financia de fato políticas universais, como a saúde, educação, saneamento, cultura e destina quase 50% do orçamento público federal para o pagamento da dívida pública, dívida esta que nunca foi auditada, conforme determina a Constituição Federal.Portanto, essas 33 milhões de pessoas que não têm o que comer são em sua maioria pessoas que se declaram negras ou pardas. Isso porque o aparato estatal não garante à população negra o acesso às políticas públicas, mesmo sendo está a população que mais financia o Estado.

Por isso, ao escolher os candidatos e candidatas para legislar e gerir o Estado a partir de 2023 escolham quem de fato apresenta propostas que consideram que há racismo institucional, estrutural, machismo, homofobia e que, portanto, as políticas públicas devem ir mais além do “todos somos iguais”, porque não somos, tampouco os territórios que ocupamos.

Comente esta notícia

Rua Ivandelina Rosa Nazário (H-6), 97 - Setor Industrial - Centro - Alta Floresta - 78.580-000 - MT

(66) 3521-6406

[email protected]