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Entrevistas Segunda-feira, 24 de Novembro de 2025, 14:01 - A | A

24 de Novembro de 2025, 14h:01 - A | A

Entrevistas / ENTREVISTA

Winnie Wouters: a professora que fez da palavra seu lugar no mundo

Professora e escritora revive sua trajetória e fala sobre a relação com Alta Floresta, a literatura e o papel da palavra na construção de uma comunidade cultural mais forte



Dionéia Martins/Mato Grosso do Norte

Entre São Paulo, Londrina, Portugal e agora Alta Floresta, a professora e escritora Winnie Wouters Fernandes Monteiro acumula vivências que atravessam literatura, pesquisa e sensibilidade. Desde cedo cercada por histórias, ela fez da palavra seu território de pertencimento e construiu uma carreira dedicada à educação e ao fomento cultural.

Nesta entrevista completa, Winnie compartilha sua trajetória, reflexões sobre o cenário artístico local e a importância de iniciativas literárias para fortalecer a identidade da comunidade.

Fale um pouco sobre você ...

R- Hoje, ao pensar sobre quem eu sou, acho impossível desvincular minha identidade da minha profissão. Isso não significa que eu me defina como professora, pelo contrário, acho que me enquadro no perfil de aluna. Posso me definir como uma eterna aprendiz. Nasci em São Paulo, capital, no final dos anos 1980. Fui criança de apartamento e, talvez por isso, o encantamento por desenho animado, gibis e livros faça muito parte do meu imaginário. Tínhamos uma coleção de fitas VHS, para além dos programas de tv gravados em casa, o que garantia muitas horas de deleite.

Eu cresci cercada por livros. Meu pai é alguém que acredita no poder da educação. Enquanto uma pessoa tímida, que nasceu e cresceu na periferia de São  Paulo, ele enxergou nos estudos uma forma de encontrar seu lugar no mundo de maneira justa e honesta, dependendo apenas de si mesmo. Por um caminho um pouco diferente, minha mãe também foi grande responsável pela  relação que eu tenho hoje com os estudos e com a vida.

Como uma mulher de valores muito fortes, ela sempre insistiu na necessidade de que eu e minha irmã estudássemos para conquistar uma profissão que nos proporcionasse independência financeira, de forma a garantir uma vida boa, sem regalias ou ostentações. Isso fez com que eu enxergasse nos estudos o caminho para minha vida. Entrei na escola com dois anos e acabei nunca mais saindo dela. Mudei aos 9 anos para o interior, na cidade de Piraju-SP e, aos 18, fui para Londrina-PR fazer faculdade.

Eu cresci cercada por livros. Meu pai é alguém que acredita no poder da educação

Segui direto para o mestrado e doutorado, novamente no interior de São Paulo, na cidade de São José do Rio Preto. Já em 2017, no dia em que escrevi as últimas palavras da minha tese, também assumi aulas como professora interina no município de Santa Cruz do Rio Pardo-SP. Também fui professora nos municípios de Taquarituba, Itai e Piraju, no ensino fundamental, médio e superior, até o início de 2020, quando cheguei em Alta Floresta.

Quando você chegou em Alta Floresta? 

R- Vim para Alta Floresta no final de 2019 para fazer o seletivo para professora interina da UNEMAT, pois meu sonho sempre foi me estabilizar na carreira docente. Acabei me mudando oficialmente no início de 2020 e desde então passei a identificar aqui como meu lar.

Como está sendo morar em Alta Floresta?

R-Alta Floresta me acolheu como há muito não me sentia acolhida. Acredito que, por ser uma cidade jovem e feita por migrantes de todo Brasil, Alta Floresta tenha se tornado uma terra de gente muito empática. Exemplo disso se deu quando iniciei meu trabalho na escola Dom Bosco. Perguntei se haveria possibilidade de concentrar minhas aulas pois não tinha transporte na época e, de pronto, meu coordenador no momento - Ademilso Sampaio -  perguntou onde eu morava e se dispôs a me dar carona. Ele passou o ano letivo inteiro desviando o caminho dele pra me ajudar, e isso não tem preço.  

Qual a sua formação e em que Faculdade dá aula?

R- Eu me formei em Letras Vernáculas e Clássicas pela Universidade Estadual de Londrina - UEL em 2010, segui para o mestrado em Teoria literária na Universidade Júlio de Mesquita Filho - UNESP, onde também fiz meu doutorado. Nesta última etapa, tive a oportunidade de fazer um ano de pesquisa na Universidade Nova de Lisboa, em Portugal.

Lá pude consultar o espólio da escritora Maria Gabriela Llansol com a incrível ajuda dos professores Maria Etelvina Santos e João Barrento, o que me proporcionou uma experiência de pesquisa muito enriquecedora. Hoje sigo como professora interina da UNEMAT, além de também ser professora-bolsista na modalidade a distância via UAB. Neste ano comecei a dar aulas na Faculdade de Alta Floresta, o que tem se mostrado uma experiência muito gratificante.

Você tem um livro publicado, tem planos de novas publicações?

R- Sim, eu tenho outro livro infantil pronto “na gaveta”, além de outros contos. Eu espero conseguir explorar mais a minha literatura pois sei que ela me configura de algum jeito, sinto que sou feita de histórias.  

O que te inspirou a escrever “Confusão no Parque”?

R- Há alguns anos, a UNEMAT desenvolve em parceria com o Aquarela Hamoa o projeto “Ciência aqui, ciência acolá”, com atividades voltadas ao público que frequenta a área de lazer do residencial. Queria muito participar levando um projeto que conversasse com a comunidade. Foi vendo uma menina pequena jogando lixo a poucos metros da lixeira que percebi a falta de uma educação para o cuidado com o espaço coletivo e o projeto surgiu daí. A escrita em verso tem influência das histórias de Dr. Seuss, autor da obra “Como Grinch roubou o natal”. O som dessa história me encanta junto com sua narrativa, gostaria que isso viesse um pouco na minha também.  

Existe algum livro ou escritor que marcou sua vida e sua trajetória profissional?

R- Eu acredito que não haja um, mas alguns livros e escritores. Assim, para não ser injusta,  gostaria de destacar três que foram cruciais para minha formação. A Turma da Mônica certamente foi parte fundamental da construção do meu interesse por histórias, uma vez que meu pai lia muitos gibis comigo e com minha irmã quando éramos pequenas, e isso despertava sentimentos muito especiais. Outro destaque vai para a saga Harry Potter.

Li o primeiro livro aos onze anos, mesma idade dos protagonistas, e finalizei a saga aos 18 junto deles. Não é comum na literatura para jovens encontrar personagens que se destacam pela sua inteligência e dedicação aos estudos, o que fez da figura de Hermione Granger uma inspiração.

Na fase adulta, não posso deixar de citar a obra da escritora Maria Gabriela Llansol, que conheci no mestrado e para a qual dediquei seis anos de estudo. Acredito que o livro O jogo da liberdade da alma(2003), que foi minha porta de entrada ao universo da escritora, tornou-se fundamental para a minha tomada de consciência acerca da construção do texto literário.  

Que importância teria a recriação da Academia de Letras para a cidade e para os escritores locais? 

R- Fiquei extremamente empolgada quando soube da recriação da Academia de Letras, justamente por reconhecer a importância de uma instituição como essa para o fomento da literatura na cidade. Ter pessoas com as quais compartilhar esse interesse em comum é encontrar, fora do ambiente escolar, o impulso pela arte da palavra, o qual se mostra presente na minha vida e na de várias outras pessoas por aqui. A Academia tem funções sociais importantes pois, além de ser a instituição salvaguarda da produção escrita de uma comunidade, ela também serve como referência a crianças  e jovens que queiram conhecer sobre sua própria história, a história de sua cidade e daqueles que a compõem.  

O que te motivou a seguir a carreira acadêmica e a se tornar professora universitária?

R- Desde antes de entrar na universidade já sabia que era nela que queria construir minha carreira, uma vez que meu interesse por literatura, artes e temas sociais restringia consideravelmente os espaços profissionais em que tais temas fossem presentes.  Contudo, ao iniciar o curso de Letras e conhecer de perto a pesquisa científica, descobri uma paixão ainda maior, que seria transformar meus interesses em conhecimentos passíveis de compartilhamento, o que me fez ter certeza da escolha que fizera.

Como você vê o cenário cultural e literário de Alta Floresta hoje?

R- Ao meu ver, Alta Floresta tem um enorme potencial cultural, sobretudo quando consideramos sua força enquanto ponto de encontro para a região norte de Mato Grosso. A existência de um grupo como o TEAF é prova disso, visto que ele vem contando a história da cidade de modo crítico e dialógico pela via artística. Outro exemplo são as expressões de arte urbana, com o rap, o hip hop, o grafite, mostrando a força da voz das ruas, como o evento na praça cívica no último dia 15/11/2025.

Fiquei  empolgada quando soube da recriação da Academia de Letras por reconhecer a importância de uma instituição como essa para o fomento da literatura 

Todavia, ao conhecer o passado da cidade, pode-se constatar que já houve uma efervescência cultural maior, o que revela que algo vem se perdendo e precisa ser recuperado. É sabido que a história é pendular e grupos culturais surgem e desaparecem no decorrer do tempo, mas também não podemos ignorar que o poder público tem a força de alterar esse contexto, fomentando atividades e artistas de modo a tornar a arte não só um hobby, mas uma garantia de sustento.

  Acredito que a retomada da Academia para Alta Floresta seja um indício importante de alteração do futuro artístico-literário da cidade, apontando novas vozes para o futuro da cidade.  

Há projetos ou iniciativas que você gostaria de ver mais fortalecidos na área da literatura e educação?

R- Sim, um exemplo que vem ganhando destaque no contexto nacional são as formações em escrita criativa. No Brasil, a ideia de escritor enquanto vate, uma figura que tem o poder da escrita derivado da inspiração, é algo muito comum. Contudo, no contexto anglicano, a formação para escrita literária é algo há muito estabelecido, inclusive enquanto formação universitária. Escrever profissionalmente permeia não apenas o universo da literatura como também da escrita no campo da publicidade, por exemplo. Penso que a inclusão de cursos livres nessa área seria um ótimo caminho para o fomento tanto da produção textual como da leitura em nossa comunidade.  

Em uma frase: o que a literatura representa para você?

R- Da mesma forma que a tradição cristã diz que o mundo surgiu da palavra, eu acredito que a vida de todos nós só tenha sentido por meio da palavra. A literatura é a minha forma de oração, é o espaço onde a minha alma se conecta com o universo.  

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