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Opinião Segunda-feira, 13 de Novembro de 2023, 09:07 - A | A

13 de Novembro de 2023, 09h:07 - A | A

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A banalização da prescrição da cannabis medicinal e suas implicações na saúde pública

 Sem dúvidas, pelo aumento da visibilidade e de recentes estudos científicos que comprovam a eficácia do uso da cannabis



Danielle Gitti e Claudia de Lucca

A crescente visibilidade da cannabis medicinal tem suscitado debates sobre a prescrição e o uso dessa substância de forma terapêutica. Recentemente, duas ocorrências chamaram a atenção para a banalização desse processo, lançando luz sobre a necessidade de regulamentação e fiscalização mais rigorosas. Em julho de 2023, um médico no Rio de Janeiro foi preso sob suspeita de tráfico de drogas e de atuação coordenada com um advogado para obtenção de autorização judicial visando o cultivo da planta. Enquanto, em junho do mesmo ano, uma falsa médica em São Paulo se autodenominou especialista em cannabis medicinal. Esses eventos ressaltam a importância de uma análise aprofundada sobre a banalização da prescrição de cannabis e suas implicações para a saúde pública e a indústria relacionada.

 Trata-se de um fenômeno complexo, pois o Brasil ainda não possui uma regulamentação definitiva e nem uma educação cultural para garantir o acesso adequado à cannabis terapêutica.

 Sem dúvidas, pelo aumento da visibilidade e de recentes estudos científicos que comprovam a eficácia do uso da cannabis medicinal nos tratamentos de enfermidades, ocorreu um aumento da demanda pela prescrição de CBD e THC. O CBD é um dos canabinóides presentes em maior destaque na planta e vem sendo utilizado como medicamento terapêutico como, por exemplo, no tratamento de dores crônicas e inflamatórias; tratamento para convulsões e espasmos; na redução da ansiedade e depressão. Isso, além de ser utilizado para tratar epilepsia, esquizofrenia e sintomas da diabetes. Já o tetraidrocanabinol (THC) é derivado da cannabis e encontrado na resina que advém das glândulas da planta e também traz diversos benefícios à saúde como: alívio de dores, náusea e vômitos, bem como melhora nos sintomas de incontinência.

 Na tentativa de suprir esta demanda crescente, diversos profissionais, infelizmente, aproveitam da demanda crescente para prescrever medicamentos à base de cannabis, sem necessariamente conhecer a fundo as terapias e ações do CBD e do THC.

 Hoje, a maioria dos pacientes se abastece de produtos através de importação direta, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição médica e autorização excepcional da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No entanto tais produtos não possuem registro sanitário nem contam com avaliação de eficácia e segurança. Empresas de intermediação, que ajudam pessoas a importar produtos de cannabis, acabam por estimular a procura de pacientes por produtos derivados da planta, e o efeito disso é a proliferação de profissionais médicos prescritores.

 Vale ressaltar que o processo de prescrição sem os devidos levantamentos necessários de investigação utilizados pelo prescritor, como exames e base científica em estudos, pode levantar questionamentos sobre o acerto da prescrição, da administração e do uso dos produtos pelos pacientes.

 Importante destacar que para suprir a demanda crescente, a indústria farmacêutica tem operado em padrões limitantes e dosagens fixas, que não atendem a posologia correta do medicamento para os tratamentos. E nesse ponto que é necessário destacar que as farmácias magistrais são essenciais, pois possuem o conhecimento técnico e a infraestrutura necessária para o desenvolvimento dos medicamentos à base de CBD e THC com dosagens personalizadas para cada paciente, o que deixa o tratamento mais eficaz e também com um valor mais razoável.

Processo de prescrição sem os devidos levantamentos necessários de investigação utilizados pelo prescritor, como exames e base científica em estudos, pode levantar questionamentos

 Enquanto isso as farmácias de manipulação seguem impedidas de operar com o insumo de cannabis. A única via possível para que a farmácia possa para manipular legalmente é através da judicialização. O único insumo farmacêutico disponível para o mercado magistral também é resultado de um processo judicial.

 No cenário atual do mercado, os preços não são competitivos, porque não há variedade suficiente de matérias-primas disponíveis para uma concorrência saudável. Isso porque as farmácias magistrais estão enfrentando diversas proibições e bloqueios das autoridades sanitárias, e também na Justiça, para a manipulação destes medicamentos e isso implica em limitação às farmácias de manipulação de ofertar produtos com valores acessíveis à população.

 Entendemos que para a normalização das cadeias de suprimento e do fluxo de produção é necessária uma regulamentação, não somente para coibir as prescrições indevidas, mas para regularizar as literaturas pertinentes, com objetivo da criação de normas baseadas em estudos comprovados e pareados.

 Apesar de ainda não existir tal regulamentação, a Farmacann, que é uma associação com mais de 30 farmácias magistrais cadastradas, atua cotidianamente na educação profissional, padronização e aferição de qualidade dos processos de prescrição, produção e dispensação de medicamentos que contém substâncias derivadas da cannabis. Essa bagagem de informação e expertise no segmento nos faz presentes como atores de propostas e cobrança de uma atuação mais contundente e assertiva do poder público para acelerar o acesso do medicamento à base de cannabis medicinal, com preço mais acessível e com a dosagem personalizada.

 

*Danielle Gitti é Diretora Presidente da Farmacann - Associação para Promoção da Cannabis Medicinal Manipulada/Magistral.

foto/ divulgação

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 Danielle Gitt

 

**Claudia de Lucca Mano é advogada e consultora empresarial, atuando desde 1999 na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios. Fundadora da banca DLM e responsável pelo jurídico da associação Farmacann - Associação para Promoção da Cannabis Medicinal Manipulada/Magistral

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