Joel Quintella
A doação de bem imóvel vem sendo muito utilizada como forma de planejamento sucessório e de antecipação de herança, mantendo-se muitas vezes a reserva do usufruto em favor daquele(a) que realiza a doação, evitando assim o desgaste e custos de um inventário.
A reserva do usufruto nada mais é que o direito do doador em continuar a usufruir o imóvel como se ainda fosse seu, seja nele residindo, exercendo suas atividades ou mesmo percebendo os alugueres, ainda que o imóvel já tenha sido transferido ao donatário, normalmente um(ns) de seu(s) filho(s).
Assim, a doação com reserva de usufruto é enxergada pelo Governo da seguinte forma: (i) a transferência de propriedade pela doação, é fato gerador de ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), obrigando aquele que recebeu o imóvel em doação a recolher tal imposto; (ii) a reserva de usufruto, implica que o doador não necessita de qualquer autorização ou assinatura do donatário (novo proprietário) para exercer qualquer atividade comercial no imóvel ou mesmo locá-lo a terceiros e assim receber os frutos.
Enquanto a reserva de usufruto perdurar (o que normalmente só se extingue com a morte do doador) o donatário (novo proprietário) só possui o direito a nua propriedade, nada podendo fazer no imóvel. Não pode alugar, vender, ceder. Nada. Na prática, quem continua a mandar no imóvel é o doador.
Com a extinção do usufruto, seja pelo advento condicionante ou pelo falecimento do doador, o donatário deve requerer no cartório de registro de imóveis a baixa do usufruto, para então poder exercer a plenitude de seus direitos sobre o imóvel.
Tanto a doação quanto a reserva de usufruto se dão por escritura pública e devem ser registradas ao pé da matrícula do imóvel
Ocorre que no Estado de Mato Grosso, a Lei Estadual 7850/2002 regulamentada pelo Decreto Estadual nº. 2125/2003 exigem a cobrança do ITCMD sobre 70% do valor do imóvel, obrigando assim os cartórios a exigirem a guia do ITCMD e seu pagamento para efetivação da baixa do usufruto. A cobrança do ITCMD na extinção do usufruto é uma prática recorrente em vários outros Estados.
Assim, a luz da legislação estadual o doador pode ter a falsa convicção de que realizando uma doação em vida com reserva de usufruto, terá que pagar o ITCMD por duas vezes, ou, não raras vezes, o donatário é surpreendido com tal cobrança quando do pedido de extinção do usufruto. De toda sorte, os Tribunais de Justiça a tempos vem entendendo que a cobrança do ITCMD na extinção do usufruto é totalmente ilegal.
Isso porque, a cobrança de referido imposto só pode ocorrer uma vez por fato gerador, de forma que, se já houve o pagamento do ITCMD no momento da doação efetivada, não há de ser realizado novo adimplemento, quando da extinção do usufruto, sob pena de bitributação.
Ademais, nossa Constituição Federal é expressa em prever que o Estado só pode instituir impostos sobre transmissão causa mortis e doação de bens ou direitos, o que não ocorre no caso da extinção de usufruto, já que inexiste transmissão do bem imóvel ou do direito real, mas mera consolidação da propriedade.
Esse, inclusive, tem sido o posicionamento do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, que a muito rechaça a cobrança do ITCMD na extinção do usufruto, vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – EXTINÇÃO DE USUFRUTO – RENÚNCIA – NÃO CONFIGURAÇÃO DE FATO GERADOR – SEGURANÇA CONCEDIDA – RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO – SENTENÇA RATIFICADA. Os Tribunais pátrios vêm reiteradamente repelindo qualquer tentativa das Fazendas Públicas Estaduais de cobrarem o ITCMD utilizando como fato gerador do tributo a extinção de usufruto (TJ-MT 10160759320208110041 MT, Relator: AGAMENON ALCANTARA MORENO JUNIOR, Data de Julgamento: 25/10/2022, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 04/11/2022).
No mesmo sentido é o Enunciado n.º SN1 de 21.11.2013, do Conselho da Magistratura, que assim dispõe: “Extinção do usufruto por renúncia ou morte do usufrutuário não é fato gerador da cobrança do ITD, sob pena de incorrer em bitributação, vez que a doação do imóvel constitui fato gerador do imposto de transmissão inter vivos.
Portanto, tem-se que qualquer cobrança nesse sentido, deve ser totalmente combatida através dos meios legais, sob pena de usurpação legislativa, sendo inclusive devida a restituição de qualquer imposto indevidamente pago.
Em caso de dúvida quanto a ilegalidade da cobrança do ITCMD quando da extinção do usufruto, procure um advogado especializado no assunto para melhor orientação.
Autoria
Joel Quintella – Advogado
OAB-MT 9563
Sócio da Quintella & Mello Advogados Associados
* Aliquotas do ITCMD aplicáveis ao inventário e doação. ( Dec. Estadual MT nº. 2125/2003)
Art. 25 As alíquotas do imposto são as fixadas de acordo com as diferentes faixas de escalonamento da base de cálculo atribuída por fato gerador dos bens transmitidos por doação ou causa mortis, constantes das tabelas abaixo:
I - nas transmissões causa mortis:
FAIXA | ESCALONAMENTO DA BASE DE CÁLCULO REFERENTE A CADA FATO GERADOR | ALÍQUOTA |
a) | Até 1.500 (mil e quinhentas) UPF/MT | Isento |
b) | Acima de 1.500 (mil e quinhentas) e até 4.000 (quatro mil) UPF/MT | 2% |
c) | Acima de 4.000 (quatro mil) e até 8.000 (oito mil) UPF/MT | 4% |
d) | Acima de 8.000 (oito mil) e até 16.000 (dezesseis mil) UPF/MT | 6% |
e) | Acima de 16.000 (dezesseis mil) UPF/MT | 8% |
II - nas doações:
FAIXA | ESCALONAMENTO DA BASE DE CÁLCULO REFERENTE A CADA FATO GERADOR | ALÍQUOTA |
a) | Até 500 (quinhentas) UPF/MT | Isento |
b) | Acima de 500 (quinhentas) e até 1.000 (mil) UPF/MT | 2% |
c) | Acima de 1.000 (mil) e até 4.000 (quatro mil) UPF/MT | 4% |
d) | Acima de 4.000 (quatro mil) e até 10.000 (dez mil) UPF/MT | 6% |
e) | Acima de 10.000 (dez mil) UPF/MT | 8% |
* valor da UPF-MT em 12/2022 – R$ 220,89