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Opinião Quinta-feira, 14 de Setembro de 2023, 08:49 - A | A

14 de Setembro de 2023, 08h:49 - A | A

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Simplesmente Sinop

Tributo aos 49 da fundação da futura capital de Mato Grosso do Norte



EDUARDO GOMES

Mormaço; temperatura beirando 40 graus. Tempo carrancudo com prenúncio de toró. Mosquitos obrigam que se converse com a mão na boca. O colonizador Ênio Pipino caminha ao lado de sua mulher Nilza e do sócio João Pedro Moreira de CarvalhoSeo Ênio era a imagem da felicidade pela inauguração da vila de Sinop – síntese de seu projeto de ocupação do vazio demográfico na Gleba Celeste, no Nortão, iniciado em 1972 num ponto remoto do município de Chapada dos Guimarães. O calendário marcava: sábado, 14 de setembro de 1974. A maior autoridade no ato era o ministro do Interior, Rangel Reis, secundado pelo governador José Fragelli. O vento cúmplice levantando a poeira espantou a mosquitada e em seguida os céus se abriram num pé d’água, pois não poderia faltar chuva no grande momento da agricultura – afinal, naquele ermo, a visão do seo Ênio, por meio da Colonizadora Noroeste do Paraná (Sinop) lançava a semente de um importante polo da política de segurança alimentar mundial.

Após o ato, um avião da FAB decolou levando Rangel Reis, e com ele o título de Paraninfo de Sinop. Fragelli também partiu. Ficaram os sonhadores. A população enfrentava a solidão do pioneirismo, sem telefonia, com a energia gerada por conjuntos estacionários, sem rede de água e praticamente nada num pleno vácuo do Estado.

Não havia nenhuma referência urbana no entorno de Sinop, que secundava a vila de Vera, pioneira no projeto de seo Ênio. O acesso rodoviário a princípio era pela Estrada do Rio Novo, paralela à BR-163, a lendária Cuiabá-Santarém, em construção pelo 9º BEC comandado pelo coronel José Meirelles. A Estrada do Rio Novo foi rota para escoamento de látex de seringais nativos e acesso a fazendas pioneiras na região.

Vera, onde a Irmã Adelis iniciou sua caminhada humanitária no Nortão, foi o sustentáculo de Sinop. Seo Ênio tratou de abrir uma estradinha ligando as duas localidades.

No inverno amazônico a Cuiabá-Santarém virava atoleiro sem fim, com ponto mais crítico na Piúva, e no verão um canudo de poeira a cobria. No trajeto uma balsa garantia da travessia do Teles Pires. Além de veículos leves e dos caminhões, por ela transitavam também os ônibus do Expresso Maringá. Nas poucas casas de madeira, famílias inteiras eram acometidas pela malária. O comércio de Sinop engatinhava. Para garantir acesso aos itens da cesta básica, a Companhia Brasileira de Alimentação (Cobal) – órgão do Ministério da Agricultura, extinta em 1990, enviava supermercados móveis, instalados sobre carretas Alfa Romeo. Plínio Callegaro fazia das tripas coração para garantir carne aos fregueses de sua churrascaria. Padre João Salarini a todos abençoava enquanto construía sua primeira igreja na vila, templo esse consagrado a Santo Antônio, o protetor da família Pipino. Mais tarde, esse sacerdote construiu a catedral Sagrado Coração de Jesus, que é a igreja católica mais moderna de Mato Grosso.

O acesso rodoviário a princípio era pela Estrada do Rio Novo, paralela à BR-163, a lendária Cuiabá-Santarém

Em 24 de julho de 1976 o governador Garcia Neto sancionou uma lei de autoria do deputado Nelson Ramos criando no município de Chapada dos Guimarães o distrito de Sinop, com 5.028 habitantes – maior do que a população de alguns municípios mato-grossenses, ainda hoje. Naquele ano, Plínio Callegaro venceu a eleição para vereador por Chapada.

Uma casa ali, uma loja acolá, uma madeireira lá e o distrito não parava de crescer obedecendo as regras oficiais: orientado pela Superintendências de Campanhas de Saúde Pública (Sucam) sobre a necessidade da derrubada da cobertura ciliar para se ver livre da malária; e derrubando a mata para garantir a posse da terra como determinava o Incra com base no Estatuto da Terra. Paralelamente ao cumprimento das regras vigentes, o homem que negociava árvores para a indústria madeireira ganhava o pão de cada dia na venda da madeira no no frete pelo transporte da mesma. No ano 2000, Sinop comemorou com didáticas reportagens o funcionamento de mais de 400 indústrias madeireiras em seu entorno. As novas regras ambientais rasgam essa página. A madeira acabou. Madeireiros avançaram para outras regiões e o vizinho Pará.

Em 17 de dezembro de 1979 os 17.026 habitantes de Sinop comemoraram a emancipação política. Naquela data o governador Frederico Campos sancionou uma lei de autoria do deputado Osvaldo Sobrinho transformando a vila de seo Ênio em cidade. Como determinava a lei, o governador nomeava o prefeito até a eleição e posse de seu sucessor. Assim, o pioneiro Osvaldo Paula assumiu a prefeitura e a transmitiu a Geraldino Dal’Maso, escolhido pelas urnas em 1982.

A cidade nunca parou de crescer, de buscar qualidade de vida. Seu comércio virou referência regional e para a vizinhança paraense. Sinop é polo universitário e centro hospitalar. Dentre os profissionais do jaleco branco, o médico pioneiro no Nortão, Dr. Jorge Yoshiaki Yanai, que chegou antes da emancipação. Com sua veia política Yanai foi o primeiro senador brasileiro de origem japonesa.

Dentro das quatro linhas do gramado onde o Brasil vive a paixão nacional, um garoto paranaense de Pato Branco, sem nenhum biótipo de jogador de futebol, conquistou os gramados dentro dos quais foi o maior goleiro artilheiro do mundo. O garoto foi bancário na agência pioneira do Banco do Brasil e ganhou mundiais de clube, Brasileirão, Libertadores, Paulistão e outras competições – seu nome é Rogério Müche Ceni, agora treinador, mas podem chama-lo de Mito. Dentre todas suas conquistas Rogério Ceni tem uma muito especial: o título de Campeão Mato-grossense de 1990, feito que abriu as portas do futebol para ele e deu ao Sinop Futebol Clube o primeiro título de equipe interiorana campeã estadual. Esse clube, pelo qual Rogério Ceni foi campeão, voltou a conquistar o Estadual em 1998 e 1999, mas sem a participação do seu ex-goleiro artilheiro.

Da irreverência sinopense surgiu o apelido Joaninha para o franzinho mecânico de motos Gilmar Pereira Flores, em razão do mesmo trabalhar na oficina do BesouroJoaninha é ás mundial do motocross e foi vereador por Sinop.

Em Sinop é quase assim: você é paranaense, ou filho de paranaense, ou casado com paranaense, ou vizinho de paranaense, ou é patrão ou empregado de paranaense, pois a base populacional local é oriunda do Paraná, de onde veio a Miss Brasil 2000 Josiane Oderdengen Kruliskoski, símbolo da beleza feminina da terra de seo Ênio, nascida em Catanduvas, mas tão sinopense quanto a Praia do Cortado no Teles Pires.

Alguns atos marcaram a vida política do município. Petistas e professores vaiaram o presidente João Figueiredo quando ele foi à Sinop inaugurar a pavimentação da BR-163 no trecho de Trevo do Lagarto (em Várzea Grande) a Nova Santa Helena. O então deputado federal Ricarte de Freitas lançou o presidente Fernando Henrique Cardoso à reeleição, com outdoors sugestivos em pontos estratégicos daquela cidade. Antônio Galvan, sindicalista e produtor rural em Sinop é uma das figuras mais polêmicas do bolsonarismo nacional.

O hospital regional e o plenário da Câmara Municipal receberam o nome de Jorge Abreu, o deputado estadual sinopense que morreu em 19 de setembro de 1998, num acidente aéreo em Jauru. Sinéia Abreu, viúva de Jorge Abreu, foi vice-prefeita e vereadora por Sinop.

O empresário Munefumi Matsubara desafiou a lógica no começo dos anos 1970 e foi pioneiro no cultivo de soja no eixo da BR-163 no Nortão. Sua visão contribuiu para antecipar o desenvolvimento de Sinop, cidade que escolheu como sua para viver. Um dos primeiros radares tridimensionais do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) foi instalado ao lado do Aeroporto Municipal Presidente João Figueiredo. Em breve a cidade de seo Ênio receberá o 9º Batalhão de Engenharia de Construção (9º BEC), que trocará Cuiabá por aquela cidade que brotou nas esteiras de seus tratores quando da abertura da BR-163.

Uma referência sobre o crescimento de Sinop. Em 1980, quando o município foi instalado, sua população era de 19.891 habitantes e Cuiabá tinha 212.984 residentes. Em 2022 a população sinopense saltou para 196.067 e a cuiabana para 650.912. Vale observar que o censo quando da emancipação do distrito incluiu os moradores nas áreas hoje pertencentes a Cláudia, Vera, Santa Carmem e União do Sul.

Bela, envolvente, sedutora e referência em qualidade de vida. Mais que uma importante cidade, Sinop tem um quê de amanhã com o título de capital de Mato Grosso do Norte, o estado que mais dia menos dia será criado, apesar de não termos mais o convívio de seo Ênio, Ariosto da Riva, Norberto Schwantes, José Aparecido Ribeiro, Zé Paraná, Guilherme Meyer e outros criadores de paraísos na Terra.

Eduardo Gomes é jornalista e escritor

 

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