Arival Dias Casimiro*
Vivemos uma crise silenciosa, mas profunda: a perda de sentido da vida. Ela não se manifesta apenas em grandes rupturas existenciais, mas no cotidiano, na forma como trabalhamos, nos relacionamos e lidamos com nós mesmos. A vida tem sido exercitada de maneira superficial, fragmentada e, muitas vezes, sem prazer. Um dos sinais mais evidentes dessa crise aparece no mundo do trabalho.
O crescimento expressivo dos casos de síndrome de burnout costuma ser atribuído exclusivamente à pressão, ao excesso de tarefas ou às cobranças profissionais. No entanto, há um elemento menos visível e talvez mais determinante por trás desse esgotamento: a ausência de propósito. O sofrimento não nasce apenas do cansaço físico ou mental, mas da sensação de que aquilo que se faz não tem significado. Um trabalho sem propósito adoece. Como disse Mark Twain, “os dois dias mais importantes da sua vida são o dia em que você nasceu e o dia em que descobre por quê”.
Essa crise de sentido está ligada a uma desconexão interior. Há dimensões profundas do ser humano que não são visíveis, nem mensuráveis, mas que determinam quem realmente somos. Vivemos em uma cultura marcada pela imagem, pela aparência e pela performance. Tudo precisa ser visto, exibido e validado. No entanto, a vida humana não se resume ao que pode ser fotografado ou publicado.
A fé cristã reconhece que toda autoridade procede de Deus, mas se expressa de maneiras distintas
A famosa frase “uma imagem vale mais do que mil palavras” não se aplica à natureza humana.
O próprio Twain observou que uma pequena parte da vida de uma pessoa está em seus atos e palavras; sua vida real acontece no interior, longe dos olhos alheios. É nesse espaço invisível que se instalam as angústias mais profundas, mas também as perguntas essenciais: por que existo? Para que estou aqui? O vazio que muitos experimentam nasce exatamente dessa falta de respostas.
Descobrir o propósito da vida não é um luxo filosófico, mas sim uma necessidade existencial. É o fator que influencia a forma como nos relacionamos, como trabalhamos, como sonhamos e como enfrentamos as frustrações. Paradoxalmente, vivemos em uma sociedade em que muitos não sabem exatamente o que querem, mas estão dispostos a tudo para alcançar alguma coisa. Falta direção, não movimento.
A tradição cristã afirma que essa busca começa em Deus. Mesmo o filósofo ateu Bertrand Russell reconheceu que, sem admitir a existência de Deus, a questão do propósito da vida perde o sentido. O rei Salomão, ao tentar compreender a existência apartada de Deus, concluiu que tudo era vaidade. A fé cristã afirma que a vida não é fruto do acaso, pois Deus pensa no ser humano antes mesmo de seu nascimento e estabelece um propósito para cada existência. É no relacionamento com Cristo que a identidade e o sentido revelam-se. Essa compreensão também ajuda a organizar a vida em sociedade.
A fé cristã reconhece que toda autoridade procede de Deus, mas se expressa de maneiras distintas. Aos pais, cabe a autoridade do cuidado e da formação; ao Estado, a responsabilidade pela ordem, pela justiça e pela proteção do bem comum; à Igreja, a missão espiritual de anunciar o Evangelho e apontar para a salvação. São esferas diferentes, com responsabilidades próprias, e todas falhas, porque são exercidas por seres humanos.
Ao longo da história, a relação entre Igreja e Estado assumiu diferentes formas. Houve momentos de identificação total, como na teocracia do Antigo Testamento; períodos de dominação, seja do Estado sobre a Igreja, como em regimes totalitários, seja da Igreja sobre o Estado, como na Idade Média; e o modelo da separação, defendido pelos reformadores do século XVI, que garante liberdade religiosa e delimita claramente as competências de cada esfera.
Jesus foi claro ao afirmar essa distinção ao dizer: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. O cristão vive, portanto, com dupla cidadania: pertence ao Reino de Deus, mas também é cidadão da terra, com deveres e responsabilidades sociais. A separação entre Igreja e Estado não significa oposição, mas respeito mútuo, para que ambos cumpram seus papéis sem interferências indevidas.
Em tempos de esgotamento, confusão e perda de referências, a fé cristã oferece uma contribuição essencial ao debate público: a vida só encontra sentido quando há propósito, que nasce de uma relação autêntica com Deus. Recuperar esse sentido não é fugir do mundo, mas aprender a viver nele com mais profundidade, responsabilidade e esperança.
*Arival Dias Casimiro é pastor na Igreja Presbiteriana de Pinheiros.











