Assessoria
Trabalhadores e moradores que atuam há décadas na região do Parque Cristalino II afirmaram desconhecer qualquer um dos sócios da Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo Ltda, como também declaram que a posse da propriedade na qual está localizado o PEC II nunca foi reconhecida como pertencente à empresa.
As informações foram cedidas pelas testemunhas durante processo judicial que rejeitou documentos falsos apresentados como provas no pedido de reintegração de posse requerido pela empresa. A sentença foi publicada pela Vara Única de Guarantã do Norte na quarta-feira (30) e assinada pelo juiz Guilherme Carlos Kotovic.
Conforme consta no documento, “restou comprovada a inexistência de relação da autora com o imóvel, de modo que sua alegada posse é totalmente desconhecida por pessoas que estão na região desde a década de 90”.
Sem reconhecimento da comunidade, as únicas possíveis evidências de suposta posse seriam as matriculadas dos imóveis, as quais o Judiciário confirmou tratarem de documentos falsos sem georreferenciamento, reconhecimento do Instituto de Terras de Mato Grosso (INTERMAT), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) ou Prefeitura. De forma que “o domínio do imóvel que decorre a alegada posse é claramente irregular" , como explica a sentença.
Vale ressaltar que os mesmos documentos já haviam sido contestados judicialmente pela União. Apresentando documentos falsos e com testemunhos contrários ao que alegava, a Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo Ltda não conseguiu comprovar por meio dos autos que já exercia mansa e pacificamente a posse da área que afirma ter sido sobreposta pela criação da PEC II.
“Na verdade, não há qualquer vestígio de que, um dia, a autora tenha sequer conhecido o local ou estabelecido qualquer relação com as terras que reivindica a posse", destaca outro trecho da decisão.
Por fim, ao analisar todo o cenário o juiz Guilherme Carlos Kotovicz escreveu que "Considerando esse panorama, por qualquer ângulo que se analise, o pleito deságua na improcedência, uma vez que não restou comprovada a posse, o esbulho e a data do referido esbulho.
foto/ reprodução

Diante do exposto, revogo a medida liminar concedida, com resolução do mérito, julgo improcedente a pretensão inicial”. Para a consultora jurídica do Observatório Socioambiental de Mato Grosso, Edilene do Amaral, a decisão é uma sinalização importante sobre o reconhecimento da legitimidade do Parque Estadual Cristalino II.
Não há qualquer vestígio de que, um dia, a autora tenha sequer conhecido o local ou estabelecido qualquer relação com as terras que reivindica a posse", destaca outro trecho da decisão
"Essa decisão corrobora com o que as organizações socioambientais estão afirmando desde o começo dessa disputa: aqueles que querem extinguir o PEC II não possuem qualquer respaldo legal e estão tentando invalidar uma unidade de conservação utilizando títulos fraudulentos, com o intuito de desmatar e destruir um importante símbolo de diversidade ambiental. Estamos contentes com essa sentença, que de certa forma é um resultado das articulações estratégicas de toda uma rede em defesa do Cristalino", comemora a consultora.
Além do pedido de reintegração negado, a decisão também condenou a Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo Ltda a pagar as os custos e despesas processuais, além de honorários advocatícios equivalente a 10% sobre o valor atualizado da causa.
Disputa pelo PEC II A Sociedade Comercial do Triângulo Ltda tenta, desde 2011, garantir a extinção do Parque Estadual Cristalino, que foi criado em 2001 pelo Decreto Estadual nº 2.628/2001.
Durante a disputa judicial, a empresa apresenta títulos de propriedade com indícios de irregularidades e argumenta que sua área foi sobreposta pela criação da Unidade de Conservação. No entanto, esta sentença reforça as denúncias de grilagem no norte de Mato Grosso e deslegitima o argumento fundiário da Triângulo
CNJ cobra explicações
Anteriormente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) solicitou que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) e o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) apresentassem esclarecimentos detalhados sobre o andamento das ações judiciais e regularizações ambientais envolvendo o Parque Estadual Cristalino II. A solicitação atendeu ao pedido do Instituto Centro de Vida (ICV) que argumentou que o Parque Cristalino enfrenta intenso processo de degradação e corre o risco de ser extinto.
PEC II
Criado em 30 de maio de 2001 pelo Governo de Mato Grosso, o Parque Estadual Cristalino II está localizado na região amazônica do estado, abrangendo os municípios de Alta Floresta e Novo Mundo. Esta unidade de conservação foi incorporada ao Parque Estadual Cristalino I, instituído em 2000, que possui 66.900 hectares. Juntos, os parques protegem uma área de 184.900 hectares de florestas amazônicas intactas, desempenhando papel fundamental na preservação da diversa fauna e flora do sul da Amazônia brasileira.
Os Parques Estaduais Cristalino I e II abrigam mais de 600 espécies de aves — incluindo 25 ameaçadas de extinção —, além de 82 espécies de répteis, 60 de anfíbios, 98 de mamíferos, 2 mil espécies de borboletas, 39 espécies de peixes e mais de 1.400 plantas catalogadas.
Ao todo, os parques oferecem proteção a 41 espécies ameaçadas e servem de refúgio para 38 espécies que não existem em nenhum outro lugar do planeta.