JOÃO EDISOM DE SOUZA
Vivemos na era da informação, mas também, paradoxalmente, na era da desinformação e da desinteligência emocional. As redes sociais, que nasceram como promessas de democratização da comunicação e ampliação das vozes silenciadas, tornaram-se, em muitos aspectos, espaços de projeção da ignorância, do preconceito e da intolerância.
Não é a inteligência artificial que mais me preocupa, mas sim a ascensão da desinteligência humana, alimentada por algoritmos que amplificam o ego, a raiva e a necessidade de pertencimento fácil. Sob a lente da psicologia, as redes sociais funcionam como espelhos emocionais. Elas oferecem, a quem nelas habita, o que se deseja ver: atenção, aplauso, pertença.
Segundo a psicologia social, especialmente a teoria da autoverificação (Swann, 1983), o ser humano busca confirmar sua própria visão de si mesmo. Assim, quem se vê como vítima busca narrativas de injustiça; quem se enxerga superior busca espaços para reafirmar essa superioridade. Plataformas como Instagram, TikTok e X (antigo Twitter) alimentam um ciclo viciante de autoafirmação e recompensa imediata.
Curtidas e comentários positivos ativam o sistema dopaminérgico, gerando prazer semelhante ao de substâncias viciantes. Nesse ambiente, a autoestima se confunde com visibilidade e o número de seguidores substitui a profundidade de vínculos reais. Para muitos, as redes deram voz; mas para outros, deram megafone a egos inflados, desinformados e ressentidos.
A sociologia contemporânea descreve esse fenómeno como a formação de “bolhas sociais”, comunidades virtuais que reforçam crenças, ideologias e preconceitos, excluindo o contraditório. Pierre Bourdieu já alertava que o espaço social é um campo de disputas simbólicas; nas redes, essas disputas são mediadas por algoritmos que recompensam o engajamento, não a verdade.
Para muitos, as redes deram voz; mas para outros, deram megafone a egos inflados, desinformados e ressentidos
O resultado é o fortalecimento de identidades sectárias: misóginos, racistas, sexistas e extremistas encontram nas redes não apenas eco, mas legitimação. A solidão e o ressentimento transformam-se em pertencimento digital. Esses grupos produzem narrativas fechadas, criam inimigos comuns e constroem microcosmos ideológicos que, juntos, se tornam forças políticas reais.
A ciência política ajuda-nos a compreender o impacto coletivo desse fenómeno. As redes sociais transformaram-se em arenas de poder simbólico e eleitoral. O que antes dependia de estrutura partidária e debate público hoje depende de engajamento digital. O populismo digital, conceito trabalhado por autores como Cas Mudde e Yascha Mounk demonstra como políticos carismáticos ou extremistas exploram as bolhas virtuais para manipular emoções e conquistar votos.
O mesmo acontece com líderes religiosos midiáticos e influenciadores que se erguem como autoridades morais sem qualquer base ética ou teológica sólida. A representatividade passa a ser confundida com popularidade. Em vez de mérito, o critério passa a ser o número de visualizações. Assim, a lógica das redes transforma a democracia num espetáculo, onde o mais seguido substitui o mais preparado.
É comum ouvir que o avanço da inteligência artificial representa uma ameaça à humanidade, mas, na verdade, o perigo mais imediato é o da desinteligência humana, emocional, social e política. A IA pode aprender, corrigir e evoluir; já a desinteligência humana se reproduz por vaidade e medo.
O filósofo Umberto Eco dizia que as redes sociais “deram voz a uma legião de imbecis”. A frase soa dura, mas carrega uma verdade incômoda: a tecnologia ampliou o alcance da ignorância e da má-fé. Não é a máquina que ameaça a nossa civilização, somos nós, ao usar o digital como trincheira para o ódio e a superficialidade.
A desinteligência humana manifesta-se na incapacidade de escutar, de ponderar e de aprender com o outro. É o triunfo do ruído sobre o pensamento. O futuro não será ameaçado pela máquina que pensa, mas pelo humano que se recusa a pensar.









