por Caroline Borges
TV Press
Um roubo milionário e um hotel luxuoso. Inicialmente, essas situações são bem distantes da realidade de Claudia Souto. No entanto, ao criar a sinopse de “Pega-Pega”, que voltou ao ar em edição especial, a autora trouxe esse universo pouco usual para um local bastante familiar e pessoal. Foi em uma pracinha na Tijuca, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, onde Claudia brincava quando criança, que o quarteto de ladrões do folhetim planejou o assalto ao fictício Hotel Carioca Palace. O bairro carioca, inclusive, é um dos principais cenários da produção. “Eu amo demais esse elenco, esses personagens e essa trama que levou tanto tempo para ir ao ar. Alguns anos se passaram desde que entreguei a sinopse até que ela fosse exibida. Saber sobre a edição especial foi uma surpresa, é como reencontrar velhos amigos no ar”, valoriza.
Claudia estreou como autora titular à frente do texto de “Pega-Pega”. Antes de debutar na função principal dentro do setor de dramaturgia, ela colaborou em obras encabeçadas por Walcyr Carrasco, como “Sete Pecados”, “Caras e Bocas” e “Morde & Assopra”. Além disso, também esteve na equipe de roteiristas de “Alto-Astral”, assinada por Daniel Ortiz. “Ninguém conhecia meu rosto. Até ‘Pega-Pega’, ninguém sabia quem era a autora Claudia Souto, que queria tanto colocar uma novela no ar depois de colaborar muitos anos com outros autores tão importantes. Não sou uma figura conhecida”, aponta Claudia, que voltará ao horário, no próximo ano, com a inédita “Cara & Coragem”.
P – Você atuou como colaboradora em diversos projetos, mas “Pega-Pega” foi sua primeira novela como autora titular. Como você encarou essa nova empreitada na época?
R - Quando “Pega-Pega” estreou, eu dizia que era a estreia de uma veterana, porque em televisão já fiz de tudo, de “reality show” a humor, de infantil a institucional, de drama a comédia. E “Pega-Pega” foi meu primeiro trabalho de expressão própria. Até então, eu não sabia quem era a autora Claudia, quem é essa Claudia Souto que quer tanto colocar uma novela no ar depois de colaborar muitos anos com outros autores tão importantes. “Pega-Pega” é muito de mim, porque como foi minha primeira novela eu quis estar bem próxima de coisas que eu conhecia.
P – De que forma?
R – A trama é ambientada na Tijuca, onde eu nasci. Os ladrões bolam o plano na pracinha onde eu brincava na infância. A escola onde estudei ainda está lá, inclusive os atores foram até a escola nas gravações para falar com as crianças. São coisas que eu conhecia, junto com uma paixão que tenho, adoro hotel. Adoro o ambiente do hotel, o staff, o dia a dia, sempre que viajo eu fico prestando atenção. Na minha primeira novela, a primeira história que quis contar é sobre ética, porque acho que é uma coisa que temos de estar sempre discutindo e cada vez mais no nosso país.
P – A novela é pautada por discussões éticas e morais. Para você, o folhetim ganhou um caráter atemporal?
R – Sim, com certeza. Estamos tratando de assuntos trágicos para o nosso país, como ética, moral, preconceito.... Levantamos várias questões importantes para se discutir no horário das sete, mas com muita leveza. Se “Pega-Pega” fosse ao ar no horário das 21h, seria uma trama trágica. Após quatro anos da exibição, esses assuntos estão mais em alta do que nunca. O país mudou muito nesse tempo. É louco pensar que ficamos mais preconceituosos e antiéticos. A gente nem imaginava que podia piorar. É bom provocar o público novamente, colocar essa pulguinha atrás da orelha. Então, vamos falar de ética, preconceito, diversidade sexual, racismo...
P – Como foi o trabalho de suavizar essas temáticas para o horário das sete?
R - Eu chamo o horário das sete de “horário despressurizador do dia”. Então, os assuntos são tratados de maneira mais leve, mas existem assuntos sérios dentro da novela. Um deles, e o principal, é a ética, mas a ética das pessoas comuns, porque estamos sempre discutindo a ética do psicopata, do bandido, do ladrão de carreira. E eu quis discutir a ética das pessoas comuns, ou seja, é um garçom, uma arrumadeira, um concierge e um recepcionista que simplesmente se veem na possibilidade, na oportunidade de passar a mão numa grana violenta. De um cara que também não é tão ético assim, está saindo do país e quer dar uma banana no imposto de renda. A venda do hotel também foi para um cara que tem uma coisa dúbia na vida dele, ele é um cara legal ou não? Ele faz uns negócios que às vezes parece que ele está indo por um lado duvidoso, mas diz que foi enganado. Quem é de verdade ético nessa situação toda? E aí as pessoas comuns, esses quatro, sucumbem à tentação de passar a mão na grana que está disponível ali com alguma dificuldade de ser pega, mas pegam tendo a sorte como cúmplice.
P – O quarteto de ladrões era o grande condutor do enredo da novela. No entanto, teve algum outro núcleo ou personagem que você gostou mais de desenvolver?
R – Pois é, o roubo é elemento central da história, o grande guia. Ainda assim, era muito gostoso desenvolver o casal Eric e Luiza. Inclusive, durante a exibição original da novela, eu estava em um restaurante com o Rodrigo Fagundes, que também faz parte do elenco. Uma moça reconheceu o Rodrigo e veio falar com a gente. Quando ela soube que eu era a autora, ela me agradeceu pelo casal Eric e Luiza. Ela disse que a gente está acostumado a ver o casal brigar e separar o tempo todo em novela, mas o Eric e Luiza enfrentavam tudo juntos e de mãos dadas. Ela apontou para o marido e disse: “É assim que é na vida”. Então, eles tinham uma estrutura não novelesca, mas muito de acordo com a vida real. Apesar de ser um casal romântico clássico, eles não tinham uma estrutura convencional. Até hoje recebo conteúdos de fãs dos dois.
"Pega-Pega" - Globo – De Segunda a sábado, às 19h30.