Ana Garrido
O mercado de carbono está em pauta. Com a recente aprovação, pelo Senado, do projeto de regulamentação, este setor ganha ainda mais impulso para manifestar seu crescimento. Com amparo legal, o mercado de carbono brasileiro, que já figura entre os mais relevantes do mundo, reforça sua profissionalização e poderá contribuir ainda mais com o combate às mudanças climáticas. Segundo levantamento da consultoria McKinsey, é possível que o mercado mundial de carbono movimente até US$ 50 bilhões até o ano de 2030.
O Brasil é um grande ator mundial em projetos REDD+, responsáveis por Redução de Emissões provenientes de Desmatamento ou Degradação Florestal. O último mapeamento florestal do MapBiomas constatou que as florestas naturais ocupam 58% do território nacional, sendo a maior parte delas na Amazônia. Isso mostra que o Brasil pode contribuir muito nas ações que valorizem as florestas em pé. E o combate ao desmatamento e a preservação da mata nativa atraem cada vez mais investimentos de grandes corporações mundiais.
Com a regulamentação, a ideia é que indústrias e grandes emissores de GEEs tenham metas a cumprir, com um teto estabelecido para emissão
Na prática, este mercado já existe há mais de 20 anos no país, e é um instrumento que tem como finalidade compensar a emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE). Ele funciona por meio de programas que evitam ou reduzem a emissão de gases, com foco em preservação de florestas, restauração ecológica, recuperação de pastagens degradadas, processos de captura de metano entre outros, com a proposta de evitar ou retirar os GEEs da atmosfera, o que aumentaria os já desafiadores efeitos das mudanças climáticas.
Com a regulamentação, a ideia é que indústrias e grandes emissores de GEEs tenham metas a cumprir, com um teto estabelecido para emissão. Ao ultrapassar esse limite, essas corporações terão que compensar o que é emitido além por meio da compra de créditos de carbono, ou seja, pelo título que garante um volume de carbono que deixou de ser emitido, a partir de um projeto auditado previamente por uma certificadora e que pode trazer, além dos benefícios climático, com a redução da emissão de GEE, uma série de benefícios sociais e ambientais adicionais.
Do outro lado, no caso de projetos REDD+, o incentivo para os agentes, públicos ou privados, que detém o direito de uso e gerenciamento das terras é financeiro. Se antes eram necessários grandes investimentos para conservar determinada área, com os projetos do mercado de carbono é possível transformar a preservação ambiental em uma atividade que gera também uma rentabilidade financeira, que ajuda a custear ações de monitoramento, comando e controle. Para projetos onde o agente de desmatamento é o próprio proprietário da terra, as receitas provenientes da venda de créditos de carbono podem retirar o incentivo econômico para a conversão das terras em atividades produtivas alternativas, oferecendo um benefício financeiro que valoriza a floresta em pé.
Para se ter uma ideia desta importância, segundo o último relatório do IPCC (o corpo científico mais confiável do mundo sobre mudanças climáticas), já com os atuais 1,1°C de aumento na temperatura terrestre, mudanças no sistema climático sem precedentes por séculos e até milênios ocorrem em todas as regiões do mundo. Se chegarmos a um aumento de 1,5°C, o IPCC prevê que 950 milhões de pessoas enfrentarão estresse hídrico e estresse térmico, além de desertificação, subindo para 24% a parcela da população mundial exposta a inundações.
O benefício social de projetos florestais também é considerável. No caso dos projetos REDD+, as populações de modo de vida tradicional, ou os povos da florestas, que têm sua subsistência diretamente relacionada com a saúde e a preservação das dinâmicas naturais desses ecossistemas, ganham segurança alimentar. Também se beneficiam com os meios necessários para a manutenção da sua cultura e conhecimentos tradicionais sobre a fauna e a flora, que foram tantas vezes fundamentais para o desenvolvimento de novos produtos da indústria farmacêutica, por exemplo.
A valorização da floresta em pé também abre uma nova oportunidade para o desenvolvimento de uma bioeconomia potente através da exploração sustentável de produtos florestais não-madeireiros. Esta iniciativa, subsidiada pela venda de créditos de carbono, oferece uma nova atividade econômica e mais segurança financeira às populações, muitas vezes vulneráveis, presentes nas áreas e no entorno dos projetos.
A preservação da floresta em pé viabiliza planos de manejo para a exploração sustentável dos produtos da bioeconomia, assegurando a manutenção de populações saudáveis de espécies da nossa fauna e flora, e contribuindo para a conservação da nossa biodiversidade e dos produtos da bioeconomia, insumos muito importantes para os ramos cosmético, farmacêutico e alimentício.
Em linhas gerais, todos nós ganhamos com a regulamentação do mercado de carbono. Os atores deste mercado ganham segurança jurídica para investir em atividades de conservação e restauração, enquanto a floresta, a comunidade, a fauna e a flora são preservadas e valorizadas. Ganham as comunidades que dependem destes territórios, ganham as demais espécies que dividem esse planeta conosco, ganha o País, com a conservação de sua riqueza natural, e ganha toda a humanidade por poder contar com um ambiente mais saudável de conforto climático.
*Ana Garrido é gerente de Soluções Baseadas na Natureza da ecosecurities no Brasil