Embora o Brasil tenha se tornado a segunda nação a adotar todas as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o combate ao tabagismo e reduzido o percentual de fumantes, o vício mata 428 pessoas por dia e é a causa de 12,6% de todos os óbitos ocorridos no País, conforme dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca). Ao todo, 156.216 vidas seriam preservadas anualmente se o hábito fosse abolido.
"O Dia Nacional de Combate ao Fumo, 29 de agosto, é oportuno para lembrarmos a gravidade do tabagismo, que matou 27.833 pessoas de câncer do pulmão, em 2017, e 34.999 de doenças cardiovasculares, em 2015", alerta o médico José Francisco Kerr Saraiva, presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), citando números do Inca.
O cardiologista explica que o tabaco agride o endotélio (parede de células que recobre os vasos sanguíneos) e interfere na produção de óxido nítrico, tornando as artérias mais suscetíveis à formação de placas ateroscleróticas, uma das grandes causas do infarto. "O mecanismo de contração e relaxamento das artérias também é afetado, o que dificulta a circulação sanguínea", afirma o especialista. O cigarro também acelera a oxidação do colesterol e, em associação à pílula anticoncepcional, pode aumentar o risco de Acidente Vascular Cerebral (AVC) em mulheres. Nenhuma quantidade de cigarros é segura. Apenas um já pode causar diversos malefícios à saúde.
Segundo o Ministério da Saúde, mais de quatro mil unidades de saúde oferecem tratamento contra o tabagismo e, entre 2005 e 2016, cerca de 1,6 milhão de brasileiros adotaram esse recurso terapêutico. É um mito, porém, que o cigarro eletrônico seja uma terapia adequada para o abandono do vício, pois também é nocivo à saúde e não deve ser utilizado. Trabalho mostrando seus malefícios foi apresentado este ano no Congresso da Socesp, em junho, pelo médico Márcio Gonçalves de Sousa, do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, especialista em tratamento do tabagismo pela Mayo Clinic (2010) e doutor em Cardiologia pelo INCOR-FMUSP.
"Ações educacionais para conscientizar as pessoas a não fumar são fundamentais, assim como a ampliação dos programas de rastreamento de nódulos potencialmente malignos em fumantes ou ex-fumantes com risco elevado para o câncer de pulmão. Esse risco é calculado a partir da carga tabágica do paciente", diz. O especialista recomenda que fumantes, com idade entre 55 e 74 anos, que consumam um maço de cigarros por dia ao longo de 30 anos ou dois maços/dia ao longo de 15 anos, devam realizar tomografia de baixa dose radiativa anualmente e assim, aumentar a detecção precoce de nódulos pulmonares.
"O diagnóstico tardio, quando o paciente já apresenta focos da doença em outros órgãos ainda é uma realidade, isso reduz as chances de cura. É preciso estimular a investigação precoce como fazemos em câncer de mama, colo de útero próstata e intestino".
O especialista citou estudos que mostram efeitos nocivos do cigarro eletrônico, que é proibido pela Anvisa no Brasil, mas, a despeito de tal restrição, vendido praticamente de modo livre e sem fiscalização. O vapor que ele produz contém substâncias cancerígenas e pode causar danos aos pulmões e ao coração. Lembrando que 90% dos fumantes começam a fumar antes dos 19 anos, o médico salientou que a utilização do cigarro eletrônico pelos jovens é um risco, porque também seduziria os adolescentes e os induziria a um novo vício.
Por outro lado, o tratamento medicamentoso dos fumantes, prescrito e feito com acompanhamento médico, é indicado e contribui para que abandonem o vício. Márcio Gonçalves de Souza afirmou que é muito importante combater o tabagismo, nocivo à saúde, enfatizando que "a indústria da morte adiciona cada vez mais substâncias aos cigarros para tornar mais rápida e eficiente a entrega de nicotina ao cérebro, potencializando o vício".
Dr. José Francisco Kerr Saraiva observa, por outro lado, que se deve comemorar os avanços, citando o fato de o Brasil ter se tornado o segundo país a adotar todas as recomendações da OMS para o combate ao tabagismo, conforme o Relatório Sobre a Epidemia Mundial do Tabaco, divulgado em 26 de julho. Apenas a Turquia havia conquistado tal posição anteriormente. Dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) revelam que, em 2018, 9,3% dos brasileiros afirmaram ter o hábito de fumar. Em 2006, ano da primeira edição da pesquisa, esse percentual era de 15,7%. Nos últimos 13 anos, a população entrevistada reduziu em 40% o consumo do tabaco.