Julio César dos Santos
A pandemia de COVID-19 nos cerca de muitas incertezas sobre o futuro, mas na política de educação federal ela nos deixou uma certeza: a importância da Assistência Estudantil para a permanência e formação da esperança dos nossos estudantes.
A crise instalada no Brasil, antes mesmo da pandemia, nos colocou de frente a um cenário de desemprego que chegou a 13% e atingiu mais de 12,4 milhões de pessoas. Muitos brasileiros estão sobrevivendo como motoristas ou entregadores dos aplicativos de serviços, na informalidade e sem nenhuma garantia de direitos trabalhistas ou de proteção social. Esses trabalhadores são nossos alunos ou pais de nossos alunos.
A crise econômica e a pandemia desafiaram nossas equipes técnicas de Assistência Estudantil dos Institutos Federais e Universidades a produzirem dados e conhecer mais de perto ainda a situação socioeconômica dos estudantes. Temos uma feliz revelação ao verificar que mais do que nunca essa rede de ensino tem a cara do povo brasileiro real, que trabalha para aplicativos, na informalidade, que está no campo, na periferia das cidades, o povo negro que ingressou via política de cotas, e as comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas. Conforme dados do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE), pelo menos 70,2% dos nossos estudantes vivem em famílias com renda mensal de até um salário mínimo e meio, e 51,2% da nossa população estudantil é negra. Estamos vencendo a barreira do acesso a esses espaços antes tão elitizados, mas só o acesso não basta, é preciso agora permanecer e sair formado.
Na Rede Federal de Ensino, o financiamento para a permanência do estudante está assegurado pelo Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAE (Decreto nº 7.234/2010) que possibilita a oferta de bolsas e auxílios para alimentação, moradia, transporte, monitoria e outros. Agora na pandemia foram criadas modalidades emergenciais de auxílios que atenderam muito rápido os estudantes, em alguns casos eles tiveram acesso ao PNAE antes mesmo do auxílio do Governo Federal a desempregados. Somente o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso (IFMT) já investiu mais de R$ 1,5 milhão em atendimento direto aos estudantes em situação de vulnerabilidade, por meio de auxílio emergencial, cuja finalidade prevê também as condições para a compra de internet, que possibilita o acesso às atividades do ensino remoto.
A Rede IF fez um levantamento e detectou que 12% dos estudantes não têm acesso à internet, e 58,5% têm acesso precário ou parcial, sem computador ou tablet para estudar. E como já atuamos na oferta de auxílio para compra de internet, agora estamos buscando alternativas para disponibilizar os equipamentos e garantir a permanência estudantil, visando à retomada do calendário acadêmico, ainda que remotamente.
Além desse trabalho, nossas equipes no home office se preocuparam com outras dimensões do atendimento ao estudante, para além do auxílio financeiro, e vimos projetos valorosos de plantões sociais e psicológicos on-line, aulas de educação física, orientações sobre os cuidados em tempo de pandemia, projetos culturais, doação de alimentos pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar e doação de máscaras de proteção, além dos Projetos de Extensão de Enfrentamento ao COVID-19 com mais de 300 professores, técnicos e estudantes trabalhando para atender a comunidade externa ao IFMT.
Todo esse movimento de adaptação à pandemia nos faz refletir sobre a importância de um sistema de educação sólido, conquistado historicamente pelos trabalhadores e estudantes que lutaram, em qualquer momento da história nacional, para conquistar Universidades e Institutos Federais com a cara do Brasil real. E a luta não pode parar, porque muitos estudantes só estão conosco ainda porque são assistidos, apoiados, motivados e esperançosos de que o nosso trabalho realmente transforma vidas. E, nesse sentido, a Política de Assistência Estudantil tem um papel fundamental para manter acesa a chama da esperança.
O Decreto do PNAE é um avanço enorme, mas ainda é um instrumento frágil e pode ser revogado a qualquer momento por decisão unilateral de governos. O Decreto precisa virar Lei! E essa proposta já tramita no Congresso Nacional com apoio da Frente Parlamentar de Defesa dos Institutos Federais, com quem temos dialogado e contribuído para discutir, inclusive, a ampliação do orçamento do PNAE. Num futuro de muitas incertezas, uma convicção está no horizonte: estamos mobilizados com os estudantes, educadores, reitores e parlamentares para fazer da Assistência Estudantil uma Política de Estado.
Julio César dos Santos é doutor em história pela UFMT, especialista em gestão escolar, professor do IFMT e atualmente exerce a função de Diretor Geral do IFMT Campus Alta Floresta.