Artur Marques
De volta à pauta do Congresso Nacional e do Executivo, a reforma administrativa precisa ser tratada com um nível de seriedade e profundidade compatível com a necessidade de modernização do Estado e melhoria de sua produtividade, serviços e eficácia. Se queremos um Estado mais eficaz, o foco inicial precisa ser exatamente a questão referente aos recursos humanos, que são a essência de qualquer organização.
O serviço público só existe por meio dos servidores que, muitas vezes, enfrentam e superam condições adversas para garantir o atendimento às demandas essenciais. Valorizá-los é condição indispensável para qualquer avanço. Isso passa, necessariamente, pelo fortalecimento dos concursos públicos, como critério inegociável de admissão, e pela preservação da estabilidade funcional.
Também servem como barreira contra o apadrinhamento político, que historicamente gerou ineficiência
Esses dois preceitos, ao contrário do que se propala de modo equivocado, são mecanismos republicanos de proteção à sociedade, pois blindam a administração pública de interferências partidárias e ideológicas a cada troca de governo.
Também servem como barreira contra o apadrinhamento político, que historicamente gerou ineficiência, favorecimentos e corrupção. Desmontar essas garantias, como propõem algumas versões da reforma, é abrir as portas para aprofundar retrocessos tão conhecidos quanto perigosos. Flexibilizar ou extinguir a obrigatoriedade do concurso público para admissão de funcionários e a estabilidade dos concursados, por exemplo, será um tiro no pé.
Pode até parecer, à primeira vista, uma forma de conter despesas, mas na prática resultará no oposto: contratações sem critérios técnicos, desligamentos em massa e a pesada indenização trabalhista a cada nova gestão governamental e a descontinuidade de políticas públicas teriam um peso fiscal muito maior do que o custeio atual da folha de pagamentos do funcionalismo estatutário da União, estados e municípios.
Num país como o Brasil, com um histórico político repleto de fisiologismo, não é difícil prever os resultados da eventual flexibilização da estabilidade e de contratações sem concurso e à revelia do mérito. Podemos afirmar com segurança que, sem esses dois institutos, o Estado será muito pior e mais deficitário do que é hoje.
Ao se admitir a ampliação de contratações fora do regime estatutário, conforme arcabouço legal referendado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), criou-se um perigoso precedente para a politização das nomeações e a fragmentação da máquina pública. Este é um ponto que a reforma administrativa precisa rever.
É legítimo que se proponha a modernização de processos, a racionalização de estruturas e a adoção de mecanismos mais eficientes de avaliação e gestão de desempenho. Também é preciso implantar tecnologia de ponta, como a inteligência artificial, para a conquista de ganhos de qualidade. Mas, não se pode confundir avanços com a precarização do serviço público. É preciso evitar atalhos fáceis, que, em vez de aprimorar o Estado, apenas o fragilizarão.
*Artur Marques é o presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo