Márcio Maio TV Press
Em “Ângela Diniz: Assassinada e Condenada”, minissérie da HBO Max dirigida por Andrucha Waddington, Camila Márdila interpreta Lulu Prado, uma das mulheres que cercam a protagonista vivida por Marjorie Estiano em sua breve e intensa passagem pelo Rio de Janeiro dos anos 1970.
A série revisita o feminicídio que marcou a história do país e expôs a violência de gênero institucionalizada pela tese da legítima defesa da honra, derrubada apenas em 2023.
Nesse contexto, Lulu funciona como lente e afeto: uma amiga encantada pela luminosidade de Ângela e, ao mesmo tempo, testemunha direta do choque entre uma mulher livre e uma sociedade disposta a puni-la por isso.
“Ela é uma mulher que se torna grande amiga de Ângela, que se apaixona pela presença dela desde quando ela pisa no Rio de Janeiro”, resume Camila.
A atriz conta que a história já fazia parte de sua memória afetiva por conta do podcast “Praia dos Ossos”, lançado em 2020, que inspira a minissérie. O impacto, segundo ela, permaneceu vivo até o set.
“É uma história que ficava ali, sempre me acompanhando. Então, foi uma honra fazer parte da série com a Marjorie Estiano fazendo a Ângela”, entrega. A relação entre as duas personagens, construída entre festas, confidências e o cotidiano da alta sociedade carioca, é também um contraponto para a violência central do enredo. A série apresenta amigas que não se rivalizam, mas se fortalecem.
No julgamento – ponto nevrálgico da narrativa –, Lulu assume um papel emocional e político. Acompanhada de Yara de Novaes e Renata Gaspar, Camila reviveu a indignação que ecoa até hoje.
“Era angustiante. Você não consegue ficar quieta na cadeira, ouvindo, porque as falas eram aquelas! Dava vontade de mandar ‘cala a boca’, falar ‘não é bem isso’”, relata.
Essa dimensão coletiva reforça, para a atriz, o peso simbólico da protagonista e da própria trama. “Enquanto a gente fazia a série, eu sentia em todo mundo a escolha de bancar essa personalidade da Ângela, que incomoda tanto homens quanto mulheres”, analisa.
Lulu é também fruto de uma criação híbrida: compilada de relatos reais e recriada pela dramaturgia como figura de porto seguro. “A construção da Lulu veio muito internamente da série, como função dentro do roteiro. A gente precisa dessa amiga que está na festa, está na praia, mas também está buscando a filha no aeroporto, fazendo companhia em casa, achando um novo apartamento, emprestando ombro para chorar”, descreve.
A personagem, que circula com desenvoltura pela elite carioca, também incorpora as contradições desse meio. “Estamos falando de uma alta sociedade que usufrui de liberdade, mas tem limites, porque depois fica complicado de defender”, observa.
Brasil que ainda convive com índices alarmantes de feminicídio e discursos relativizam a violência
Para Camila, Lulu passa por um amadurecimento profundo ao longo da minissérie. A liberdade de Ângela, tão admirada por uns quanto mal interpretada por outros, atravessa e transforma quem convive com ela.
“Sinto que a Lulu é uma personagem que cresce com a presença da Ângela. Ela tem acesso a todos os espaços, mas não tem essa dimensão que o assassinato da Ângela traz de uma consciência social, de uma consciência política”, reflete.
Em um Brasil que ainda convive com índices alarmantes de feminicídio e discursos que relativizam a violência, a atriz acredita que a minissérie pode reacender debates urgentes.
“Essa tese (da defesa da honra) pode não existir mais juridicamente desde 2023, mas ainda é a base do pensamento, a origem de toda violência de gênero”, afirma.
E entende que o título do projeto, “Assassinada e Condenada”, traduz um mecanismo ainda presente. “Tudo que tem a violência de gênero tem essa base introjetada”, critica.
“Ângela Diniz: Assassinada e Condenada” – HBO Max.









